tormenta
dói.
dói como eu já não sabia doer.
e mais.
dói como eu jamais pensei que doeria.
dói como nunca antes.
dói.
me corrói.
me come, mastigando lentamente.
saliva de ansiedade e dentes de culpa.
apertam-me o peito, trituram minhas horas, rasgam minha atenção
e minha mente não pode senão viver a dor.
dói.
escrevo que dói.
mas isto ainda é pouco.
não é dor de parto.
mas algo se parte.
e a parte que sobre já não faz senão doer.
dói.
e escrevo na esperança de que as palavras carreguem consigo um pouco da dor
e tornem as horas suportáveis
e as lembranças menos plumbeas
e ardidas
e passem.
passem, apenas passem.
sei que com vocês não posso - lembranças.
sei que não as posso,
ainda que queira.
sei do que fiz
e principalmente do que não fiz.
lamento?
lamento muito.
e dói?
dói.
mas já não posso fazer senão esperar.
esperar que passe.
esperar que passes.
esperar que passemos (de ano).
dói.
e se não fosse tanto, eu suportaria em mais silêncio.
juro que seria mais silencioso.
e se escrevo é porque em mais silencioso não posso ficar.
e escrevo porque é no silêncio dessas palavras que consigo deitar minha tormenta
para que ela repouse por algumas horas,
ao menos algumas horas,
antes que venha me arrastar à dor.
que dói.
dói como eu já não sabia doer.
e mais...