Ao alto em quatro movimentos
I – A subida
Pus-me a caminhar por uma
trilha; uma trilha parcialmente já traçada pelo passado, parcialmente trilhada
por mim, no próprio caminhar; porém em quase nada
marcada pelo futuro, quase
sem meta.
A certas alturas, a
ingremidade exigia-me o uso das mãos, era preciso escalá-la; ainda assim,
segui-a.
Após não mais que meia hora de
subida o alto da montanha desvelava-se – não apenas enquanto uma miragem que me
impulsionaria a subir, mas como materialidade que afetava meus cinco sentidos: eu
via o sol delinear formas nas rochas e cortar sombras no solo, ouvia o vento ciciar
ao raspar rochas e depois tatear a pele de minha face e arrastar o cheiro da
relva quente e dos arbustos ressequidos até mim e o depositar em minha língua
partículas da paisagem ante mim.
II – Um olhar
No cume, escolhi a pedra mais
alta, a fiz de mirante para admirar a paisagem.
Olhei o céu, mas sem a lua ele
não importava, não me interessava em seu ar etéreo.
Olhei o mar, ele chamava-me; meu
olhar podia cruzá-lo e chegar às terras longínquas a vários fusos horários dali,
terras além-mar, no futuro, que se tornavam presentes, eu não só as vias, eu as
podia apalpar; podia também atravessar o mar, sondar o fundo de seus abismos,
conhecer suas riquezas íntimas, nele imergir e ouvir seus sórdidos segredos sussurrados.
III – Um mergulho
Contemplei o mar em sua plenitude,
imensidão, soberania; contemplei-o num silêncio respeitoso e poderoso.
Meu corpo sentia algo atravessá-lo,
era quase domado por uma pulsão – talvez não fosse todo o corpo, talvez se tratasse
mais precisamente de um devaneio: mergulhar naquela colcha azul marinho; lançar-se
naquele doce lençol cerúleo suavemente fremido ao toque do vento.
Não havia lógica, cálculo ou
racionalidade; apenas uma pulsão de atirar-me cego, mouco e mudo ao encontro daquelas
águas.
Fechei meus olhos, senti a
brisa e imaginei o vento impondo resistência a minha queda e senti o suor do
meu corpo ser lavado pela água e meu calor ser varrido pelas ondas nesse
mergulho sandeu.
IV – Outro mergulho
Abri os olhos, quase acordando
de um sono; virei-me a contemplar a densa floresta que cobria o relevo – uma espécie
de oposto complementar ao mar: um verde matizado que formava um colchão macio
ao olhar do qual o vento sutilmente trazia o convite a outro mergulho.
Imaginei meu corpo em queda
livre submergir no folhame e desassomar entre o arvoredo e ser devorado por
aquele víride pélago e ali esvanecer-me – tornando-me nada: nada do que eu era
ou fora e por um átimo eterno, lapso de ser da identidade (ou o inverso),
poderia ascender.
Respirei fundo aquele ar e o
expirei lentamente, guardando em mim pouco mais que vagas lânguidas lembranças.