sábado, 1 de agosto de 2020

Do balcão

Café da Tarde


Era verão. Lá fora, sensação térmica de 37°C ao sol. Aqui dentro, tentava refrescar-me à sombra, sentado no balcão coberto de meu apartamento, tomando meu café da tarde. Não podíamos sair. Ou melhor, não devíamos sair, assim sugeriam as autoridades. Devíamos quedar-nos em casa, assim sugeriam os expertos. Devíamos quedar-nos à sombra, assim sugeria o sol, pródigo de seu calor e seu brilho, em um céu cerúleo, sem qualquer nuvens. No outro lado da rua, no balcão sem cobertura de um apartamento alguns andares acima do meu, onde também secavam algumas roupas, quedava-se uma mulher apoiada no parapeito. Ela acendeu um cigarro. Ela fez círculos com a fumaça. Ela pôs a cinza no cinzeiro. Ela olhou-me. Ela não falou comigo. Eu a olhei. Não falei com ela. Assim seguimos. Solitário. Silentes. Separados. Pela rua. Pelo ar quente. Pelo céu liso e lânguido. Pelas recomendações. Pela clausura. Separados por um desconhecimento mais inabalável que a decidida ação da gravidade sobre as gotas de suor que escorriam de minhas têmporas. E que também escorria na face da estrangeira figura do outro lado da rua. Eu podia vê-lo. Ela terminou o cigarro. Ela levantou-se. E partiu. Sem uma palavra. E eu. Eu tomei minha cabeça em minhas mãos e senti como se aquele momento, com aquela pessoa, fosse o instante mais íntimo que eu jamais teria por um longo tempo. Por um átimo de tempo, ínfimo e fugaz, eu o cri. Eu criei e cultivei esse diminuto grão de sentimento. Foi o momento mais esplêndido na história universal, ao menos enquanto morei neste apartamento. Mas foi só um momento. E esse grânulo de intimidade teve morrer.

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