segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Fração:

Sobre alguém que não sabe esperar

Não importa onde estivesse, podia ser na cama, na sala, na varanda, na rua, sob o sol ou sob a lua, nem importava o que fizesse, podia estar cantando, tocando, escrevendo, assistindo a um filme alemão ou mesmo parado sem fazer nada, não importava, só o que vinha em sua mente era que tinha de esperar a ligação.
Nada era uma distração, nada trazia satisfação, nada, nada, nada. Tudo lembrava o fato de estar esperando o maldito contato. Tudo girava, em sua mente, em torno da espera. Mesmo antes de o dia da espera propriamente dita já sabia que haveria uma espera, isso já era angustiante, a espera pela espera.
O maior defeito seu era este, não conseguir esperar. Diria mais, não conseguia deixar a espera sair de sua mente talvez nem a morte de um ente próximo seria o suficiente para distrair do fato de estar esperando. “Maldita espera! Maldita demora!” – Repetia várias vezes a si e claro, de nada adiantava para solucionar a espera.
A única solução era esta espera ser substituída por outra. Espera que se sana, porém cria outra espera, assim sucessivamente até a espera final. A espera pela morte. Porventura a morte seria a única espera que não fazia questão de chegar. Não seria de estranhar de que estas outras esperas que a antecediam fossem subterfúgios para adiar a tão temida e esperada – espera final. Isso podia se cogitar.
Podia se cogitar que ninguém ligaria, que nenhum contato seria feito e o que seguiria seria uma tremenda insatisfação que geraria a espera por alguém ou algo que suprisse tal carência deixada pela espera anterior não satisfeita. Podia se supor que caso esta espera fosse encerrada com a ligação outra pior se sobre poria e, esta, quando eliminada, seria sobreposta por outra pior e assim até que, talvez, e somente talvez, gerar-se-ia um desejo suicida para acabar com as esperas.
Mas não iria matar-se agora, precisava esperar pelo telefonema e tinha de garantir que tudo estivesse funcionando perfeitamente para que pudesse recebê-lo quando e caso ele chegasse. Toda sua atenção volta-se para o aparelho telefônico, não conseguia focar no livro, no filme, na música, na conversa das outras pessoas, nem mesmo em seus pensamentos – que agora eram uma geleia de ideias.
Por vezes ficava olhando o telefone. Encarava-o como se estivesse tentando explodi-lo com o poder da mente – que obviamente não possuía. Obviamente também não queria explodir o aparelho, precisava dele funcionando plenamente para que ligação pudesse acontecer. Se por algum motivo aquele telefone parasse de funcionar sabia que aquele seria o momento em que alguém ligaria, seria naquele exato momento em que o telefone tocaria.
Aliás o cuidado para garantir que, com o aparelho funcionando perfeitamente, se ouvisse o aparelho tocarera constante. Para qualquer canto que fosse levava consigo o telefone, mesmo quando ia de um aposento a outro apanhar um pouco d’água, coisa de nem dois minutos, levava-o consigo, tendo em mente que a distância entre os aposentos era de alguns metros e o volume da campainha do telefone era suficiente para se ouvir de uma distância bem superior a esta. Mas em sua mente todo cuidado era pouco.
Em certos momentos descontava sua incapacidade de lidar com a espera na inocência silenciosa do aparelho. Berrava, xingava, esbravejava, lançava seu palavrões mais ásperos e fazia jorrar toda sua raiva sobre o eletrodoméstico.
Em outros era um ser peripatético, movia-se de um lado ao outro tentando achar soluções, tentando entender a demora, tentando sublimar a espera, tudo em vão, tudo um amontoado de frases, fragmentadas, sem nexo, sem sentido.
Um monte de desculpas que se moviam de maneira bipolar, os pensamentos vagos que corroíam o tempo sem deixar esquecer-se da espera. Espera. Espera. A fera. Quimera. Quem dera poder sobrepô-la, superá-la, entendê-la, esquecê-la. Fazer daquilo mero passado.
Mas não era assim, aquilo se tornara um muro de casa de detenção. O muro. O murro que o impedia de seguir. Impedia de ser mais, de pensar mais, de fazer mais que só esperar. A espera pela pantera. A pantera que devora sua alma, em uma mistura de medo, angústia, resignação e insegurança.
Se soubesse como lidar com a espera. Simplesmente, se soubesse esperartudo já não seria um problema, tudo seria um doce deleite. Uma magnífica expectativa pelo que viria a ser, sem pré-ocupações mórbidas. Se bem que seu problema não era as pré-ocupações mórbidas, sequer eram pré-ocupações, eram apenas um não poder esperar, não lhe importava se viria a ser ou não, como viria a ser ou como deixaria de ser, apenas o fato da dependência de outro, isso sim, era doentio. Aquela maldita espera era mórbida, era um gangrena em sua alma, que só tendia a piorar.
Mas acima de tudo isto, ainda estava à espera da ligação. E só isto importava. Esta espera e nada mais.

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