Angústia
Caminhava pelas ruas iluminadas por postes e por alguns letreiros luminosos enquanto pensava sobre o assunto. Decidiu-se por caminhar de volta para casa para poder remoer os acontecimentos daquela noite. Aquela, com certeza, não era uma noite qualquer, aquela estava sendo a pior noite de sua vida.
Costumava dizer aos quatro ventos que não mais sentia culpa, que havia sobrepujado tal herança, mas aquela dor, aquela dor em seu peito que assolava sua alma era no mínimo o resquício da culpa em sua mente, em sua alma. Talvez fosse culpa de seu irmão. Talvez fosse culpa sua por satisfazer os desejos fúteis do seu irmão. Claro que eram fúteis para ela. Talvez para ele fosse uma enorme futilidade a mania dela de colecionar livros, “para que tê-los, para que todos aqueles volumes de História da Sexualidade, as pilhas de Nietzsche, as compilações de textos de Machado, Heidegger, Sartre e outros tantos exemplares de tantos outros nomes? Para que tudo aquilo se para lê-los podia tomá-los emprestados de qualquer biblioteca da cidade?” – Assim dizia consigo mesma – “Para ele isto é que era fútil!”. Tudo isto ela penso. Tudo isto ela repenso. Sobre tudo isto ela refletiu. Isto batia pesado contra seu peito. O que a obrigou a parar várias vezes durante o percurso. Parar para respirar. Tomar fôlego para continuar.
De início tentou formas de esquecer aquilo, apagar ao menos momentaneamente aquilo de sua mente. Buscou formas de anestesiar a dor. Assim tendo decidido puxou seu livro amarelo para ler, mas as palavras se tornavam ininteligíveis ante a presença dos acontecimentos, em sua mente eles se chocavam com as frases do livro fazendo-as dissiparem-se no ar. Ao fim desistiu de tal intento. Passado um tempo tentando esvair aqueles pensamentos pôs os fones em seus ouvidos ligou o Mp4, mas a música era inaudível na presença dos pensamentos. Ela elevou o som ao volume máximo do aparelho, o que normalmente faria explodir a música em sua cabeça. Porém, não hoje. Hoje o som do erro lhe impedia de por sua atenção por muito tempo em qualquer outra coisa que fosse. Tanto era que, certo momento, nem se percebeu atravessando uma rua movimentada. Só notou-se em tal situação, pois o motorista do carro freio bruscamente e encheu a mão ao apertar a buzina, assim o som da freada brusca somado ao da buzina lhe despertaram.
Todo aquele erro! Por que tinha de errar justo com seu melhor amigo? “De tantos seres no mundo de quem eu nem sequer ligo para a existência eu tinha de ferir justo um coração de um ser amado?” – Pensou, depois continuo lamentando – “Ah, isso a doe, doe muito. Só eu sei quanto doem as pancadas da consciência”. Sem desanimar completamente seguiu. Alguns quilômetros uma pausa, mais alguns quilômetros e mais alguns minutos de serenidade ao corpo. Ao corpo, no entanto, não à mente.
Em uma das pausas propôs a si pensar em uma solução para aquilo, uma vez que não adiantava ficar se martirizando com o que já havia sido feito, não havia mais como voltar, não havia por que pensar em se tivesse tido mais tempo, se tivesse usado as palavras certas, se tivesse lembrado, se não tivesse esquecido, tudo aquilo não mais fazia sentido, importava uma solução, como concertar todo aquele tremendo engano. Não lhe foi fácil fazê-lo uma vez que cada detalhe deveria ser mensurado, já havia errado feio, não podia por tudo a perder tentando concertar o erro.
Talvez a amizade pudesse perdoar tudo sem grandes problemas. Talvez nem fosse necessário tanto pensar. Tanto repensar. Tanto refletir. Ou nem fosse necessário se desculpar, basta deixar as coisas rolarem. Não, ela já errara outras vezes, todavia aquela havia sido uma falta assombrosa, só confiar na amizade não bastaria. Talvez nem um simples pedido de desculpa fosse o suficiente. Talvez devesse dar seu sangue como forma de penitência. Não! O que estava falando? Ele jamais aceitaria como seu amigo algo assim. Ela sentia-se tola por chegar àquele ponto. Tola não, louca. “Oh, céus! O que fui fazer! Por que fui me esquecer? Por quê? Por quê?” – Murmurava ali sentada. Levantou-se e pôs-se a caminhar novamente enquanto as perguntas ricocheteavam em sua mente e feriam seu ego. Por que fora fazer promessas outras vez? Já havia se prometido não fazer mais isto, mas ignorou-se e fez. Aí estava o resultado: um erro que gerou outro e este segundo não era um simples erro era uma enorme – cagada! Como doía em sua consciência aquilo. Repetiu para si as frases do desenho que gostava tanto “Oh dia! Oh, céu! Oh, azar!”. “Oh, azar!?” – Riu de si mesma por pensar em azar. Aquilo não era azar, não daquela vez. Daquela vez era tudo sua responsabilidade. Das outras vezes poderia ter sido azar, mesmo que não gostasse muito de crer em azar, mas das outras vezes até poderia ter sido. Aquela não. Aquela vez o erro foi todo seu. “Um erro suficiente para acabar com uma amizade?” – Ponderou que não.
A certa altura do caminho já arrastava seus chinelos – era o cansaço. Agora, se o cansaço era de tanto andar, de tanto pensar ou era o peso do seu erro isto ela não sabia. Ela só arrastava seu corpo mais e mais. “Alguns minutos e já estaria em casa” – Falou para animar-se. Queria alcançar a casa para deitar-se em sua cama e descansar, sabia que não dormiria tão facilmente, mas ao menos chegando teria um pouco d’água para refrescá-la naquele dia tão quente e pesado. Para refrescá-la daquele erro tão duro.
“Ah, amargo arrependimento! Por quê? Por que bates a minha porta? Seria tão mais fácil se esquecer de tudo. Seria tão melhor não ter esquecido! Aí não teria errado. Aí estaria tudo pronto para se ser feliz. E para se repousar serenamente cada um em sua cama” – Ponderou, no entanto agora não mais pensava para si ou cochichava, já fala em voz alta. Quiçá, quem passava na rua e a via achava-a lunática, louca, desvairada, doida de pedra. De pedra. Quem dera ter uma pedra bem alta, um desfiladeiro gigante para poder atirar-se de lá! Um mergulho ao esquecimento. Um lançar-se ao nada final. Mas não, a consciência da dor que causara ao peito amigo, a mesma que lhe impediria de dormir, não a permitia completar tal ato. Precisava fazer algo para ao menos remediar o que fizera. O que faria então? Nada lhe vinha como resposta. Tudo parecia confuso e difícil.
Ela percebeu-se realmente aturdida quando sequer consegui lembrar que dia era aquele. Sabia que aquele seria para sempre o dia em que cometeu o que poderia ser o maior erro de sua vida. Toda aquela angústia pulsava em sua alma, em cada rincão de sua consciência lá estava atormentando-a.
Ao chegar a casa, tomou o gole d’água tão esperado. Pôs seu colchão para fora de casa, buscou papel e lápis, sentou-se no colchão e rapidamente começou a escrever o que sentia.
Tentou desabafar tudo o que comprimia seu peito. Após quase três páginas de rabisco parou, puxou o ar profundamente quase que estourando os pulmões, expirou todo o ar num grito retumbante. O que se seguiu foi o mais sincero e escuso choro por perdão.
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