Soneto à partida
Escrevo estes versos a fim de que, se meu nome vier a se apagar
de tua lembrança,
Saibas que ali, vendo a lua cruzar o céu, senti em mim
uma lacuna se sobressair;
Senti que mais um passo poderia ser dado para admirar o
abismo antes de nele cair;
Senti que em meu olhar alguma coisa, que batia e ardia contida
em sua pujança,
Desejava fazer os corpos transbordarem uma vez mais antes
de tudo se esvair
No ar feito o rastro entre as nuvens, ainda que eu soubesse
que a temperança
Não fora a maior das virtudes – ou o maior do vícios – deste
doce sorriso de criança
Que nos assaltava o rosto sem o menor pudor, a nos embriagar
e a nos distrair.
Ser jubiloso que, do abismo de mais intenso azeviche ao
céu da mais bela nuança
De cores, em um átimo fez verter em mim copiosa e dionisíaca
bem-aventurança,
Agora que partiste em tuas andanças, sinto que algo pode
ou poderia ser mais;
Porém em meu peito não jaz a dor da esperança de um
futuro escasso de mim,
Não jaz o espírito da esposa que, aguardando o retorno do
marujo, queda no cais;
Antes, está a viva satisfação do encontro dos que fazem
da vida um inefável festim!