quinta-feira, 3 de abril de 2025

Revisitando

Os corpos e o mar

Quando Baudelaire falou das riquezas íntimas do mar
esqueceu-se de falar que em suas águas também se escondem
corpos negros
que não chegaram a atravessar o oceano
corpos negros
arrastados
roubados
forçados
agrilhoados
corpos negros
lançados
descartados
atirados
às profundezas do Atlântico
sem cântico
insepultos
sem rito
velados

Tu

Pediste-mo
 
Pediste a mim
e dei o que eu tinha de mais precioso
então
não sei por que
o pisaste
e
deixando-o em pedaços
fingiste que nada foi
que nada era
e eu?
juntei os cacos desse amor
e fui-me.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Sobre um poema e alguns versos

Sobre quereres, precisares e poderes.

Queria escrever-te um poema.
Precisava escrever-me uns versos.
Parte de mim, começou a compor um fado,
outra parte, uma peça para flauta transversal 
na qual a melodia era ora uma cama para teu olhos, ora, uma onda, na qual tuas palavras de amor, misturadas a teus gestos de carinho, rebentavam na rocha dura de meu coração.
Talvez leve tempo até a rocha perder certas arestas, mas com certeza nela, alimentada pelo que a água carrega,
nasce vida,
cresce vida, 
segue vida.
No fado, às lagrimas, uma voz cantava que mesmo a solidez se desmancha no ar, que a eternidade não pertence nem ao amor, nem à solidão, mas esse fado, querendo ou não, tinha de confessar que do amor, dos amores, em perpétua transformação, nasce algo que transcende sua própria finitude.
Queria escrever-te uns versos.
Queria escrever-me um poema. 
Queria me desculpar, queria te amar sem erros, mas não sei ser sem erros, não podes tu também não tê-los – e há nisso certa graça e certo desafio...
Queria escrever-me uns versos em que eu me perdoasse, em que eu aprendesse que amar é um caminhar incerto, em que lembrasse que o amor só faz sentido quando faz, no fim das contas, sorrir e ser maior.
Queria escrever-te um poema em que confessava que meus medos não só me levam a agir estupidamente, mas também a aprender a dançar com eles e deles rir.
Nesse poema eu te diria que me tens ajudado – a ser mais leve, mais risonho, menos calado, mais corajoso, menos egoísta e tantos outros mais e menos - e por isso: obrigado.
Eu precisava escrever-me um poema em que arrancaria de mim as inseguranças que me tornam o pior de mim, mas, apenas tirá-las, abriria lugar para outras novas tomarem seu lugar e novamente as mesmas retornarem.
Esse poema, quem sabe, seria um soneto onde cantaria sobre os amores e amizades que afastei, mas não me condenaria por isso e, sim, faria rimas com a fortuna de seguires me amando e a certeza de que isso não é pura sorte - embora o caso tenha lá sua parte -, mas efeito do ritmo silábico de meus gestos de amor e da cadência de meu cuidado em te amar como mereces.
Precisava escrever-te uns versos em que te sentisses livre, abraçada e contente, se possível ao meu lado, mas onde também te pediria, humildemente, alguma paciência, porque, de verdade, quero receber teu carinho, teu olhar lascivo, teu abraço, teu colo, tua mão em meu corpo enquanto tens minha mão em teu corpo, meu colo, meu abraço, meu olhar lascivo, meu carinho.
Se eu escrevesse esses versos em papel, a tinta o borraria por já não poder mais absorvê-la; as letras formariam palavras, mas as palavras talvez ganhassem mil sentidos e o poema que eu compunha tornar-se-ia uma música, dez músicas, mil músicas em uma só.
Talvez eu não saberia começar ou terminar tal poema, talvez eu desistisse desses versos porque
as lágrimas
ou o riso
ou os dois
é quem realmente seriam a poesia e as palavras se tornariam garatujas.
Talvez o poema ficasse piegas e de tão péssimo gosto que não tocaria nenhum outro coração, mas, no fundo, queria e precisava escrever-te-me esses versos, esse poema, porque ele pulava em meu peito, ele saltitava em minha mente feito um sabiá, que salta de galho em galho, chilreando uma ode de amor.
Eu queria escrever esse poema com versos sobre meu amor – por ti, por mim, por nós –, mas o que posso dizer nesse momento é: eu te amo.