Minha solitude
Uma xícara de chá
acompanha minha escrita através da madrugada.
Várias coisas passam pela minha mente.
Umas galopam,
outras rastejam,
algumas escorrem,
outras, ainda, queimam.
Várias coisas se passam na minha mente.
Várias coisas me vêm à mente.
Compromissos, filosofias,
Dúvidas, aporias,
Pensamentos vagos, ideias vazias,
Memórias específicas,
Imagens translúcidas,
Redundâncias e afazias.
Vou atravessando a noite
À companhia de uma xícara de chá,
De uma caneta e de um papel
[Imagem tão
démodé quanto a expressão].
Percebo que gosto da minha única real companhia,
A de mim mesmo;
E, para alçar tal nível de apreciação de mim,
Que no fundo é um bando de gente;
Para apreciar minha solidão, meu único bem aqui
- a solidão de meu corpo, sentimentos, pensamentos, desejos e dores -;
Para alçar essa grandeza de espírito,
Precisei de ti,
Precisei que doesse,
Que ardesse,
Que me enfurecesse,
Que me fizesse chorar,
Precisei que silenciasse,
Que ardesse mais,
Que queimasse,
Que urrasse,
Que me fizesse urrar,
Que me esmurrasse,
Que me fizesse esmurrar a mesa,
Que me tirasse a fome,
Que me furtasse o sono,
A paz, a vontade, o tesão;
Que me roubasse tudo,
- tudo que eu cria ter,
tudo que no fundo me possuía
sem ser meu -,
Precisei que eu me dobrasse,
E desdobrasse disso que estava colado em mim ,
Precisei que sumisse,
Precisei que faltasse
Para ver que nada faltava,
Para ver que tudo estava ali,
Logo ali:
Eu!
Eu, meu amor!
E pude recobrar-me em meu maior amor:
Minha solitude.
[grato ao sol,
grato à lua
grato às águias
grato aos ratos,
baratas e vermes da terra]