Dois corpos
Subo em minha bicicleta. Pedalo.
Pedalo meio sem destino, meio como quem destina fugir. Mas aonde quero fugir
não posso ir. Pedalo. Pedalo até que meus músculo latejem e me obriguem a parar. A dor que pulsa é feito expiação de um
pecado. Não creio em pecado. Talvez em expiação. Há uma emoção. Profunda em
toda extensão de minha pele. Há uma emoção. Profusa por toda intensidade de meu
corpo. É essa emoção que a dor vem expiar. Paro. Estou próximo a um parque. Estou
próximo a um bar. Um pub. Um parque
pleno de memórias. Um pub repleto de
memórias. Memórias sublimes. Memórias que não quero macular. Não agora. Ainda
não. Deixo-as ali. Formam um oásis para quando me sentir deserto. Estou inundado.
Inundado pela emoção. Sento-me no meio-fio à beira do oásis. Deixo meus hormônios
e outras substâncias químicas correm pelo corpo. Correm como eu pedalava.
Atiçam-me. Depois dissolvem-se em meus tecidos. Absorvidos pelo tempo, pela pausa,
pelo silêncio. Silencio. Escuto meu coração desacelerar, todavia sem se
acalmar. Não consigo silenciar a emoção. Ela o agita. Ela não pode ser expiada.
Ela não pode ser expiada afinal. A dor nos músculo já não é nada diante do que
sinto... em meu peito? Não. Meu peito é pouco. Àquela intensidade meu peito não
basta. É preciso um corpo inteiro. Na verdade... dois. Dois corpos e uma vida.
Uma vida, ainda que uma vida possa não durar mais do que poucos segundos. Os
segundos de um beijo. A vida de uma memória. Os segundo de um olhar. A vida de
um silêncio. Os segundos de um elogio. A vida de um gesto gentil. Dois corpos.
Uma vida. Uma emoção. Ou seria um conglomerado de sensações? Talvez isso seja uma
emoção. Uma emoção vinculada à distância. Distâncias. Uma emoção distal. Há
várias distâncias. Há a distância espacial. Distância física. Há a distância de
outro espaço. Distância corpórea. Há a distância do toque. Há distância ao
toque. Há também a distância no tempo. A distância do tempo do que foi e do que
será. Há distância de outro tempo. Do tempo do que é. Ou melhor, do que está
sendo. Ou ainda, do tempo daquilo que queda entre o que já não é mais e o que
está em vias de ser. Há a distância deste outro tempo. Do átimo. Do momento. Há
outrossim a distância de um tempo que talvez não venha, mas que já se realizou
em minha mente. Há a distância do desconhecimento. Há distância do
desconhecido. Há a distância da impossibilidade. Há a distância do possível. Um
conglomerado de distâncias. E sensações. Chamo tudo de ‒ emoção. Uma emoção. Essa
emoção. Que move. Acelera as moléculas. Aquece. Fervilha em meu corpo. Fá-lo
fervilhar. Faz-me ebulir. Evaporo. Evaporam-se as ideas, mas não a emoção. Meu
corpo não pode. Não sozinho. Não pode. Essa emoção flui. Agita-me. Inunda-me.
Gorjeia e regozija-se em mim. E eu não posso. Não sozinho. Estou cheio. Cheio não.
Sobejo. Por isso pedalei. Por isso não entrei no oásis. Por isso tentei expiar.
Doer. Silenciar. Por isso não penso senão em... Por isso falhei. Precisei parar. Parei. Parado levanto. Subo em minha bicicleta. Pedalo. Pedalo sem destino. Pedalo em
desatino. Pedalo.
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