Uma pele
Era como olhar-se com os
próprios olhos, mas sem um espelho. Diretamente ver-se. Com minhas mãos eu
tocava meu braço. Mais precisamente, minha pele tocava a si mesma, percorria-se,
dobrava-se sobre si e nessa dobra sentia-se.
O tato, a pele, pode o que a
visão não pode, perceber sem distância, olhar sem nada como intermediário.
Percepção oscular.
E assim, pele com pele,
esquadrinhando-a numa autobiografia dérmica, eu mapeava as curvas, as
rugosidades, as saliências, as reentrâncias, os outeiros, os pélagos e as
fontes dermais. Era como um livro de contos, um diário cheio de histórias ‒ mais
ou menos secretas. Eram crônicas secretas pelos poros. E eu ia lendo-as. As
alegrias marcadas ao lado dos olhos em sorrisos repetidos, porém únicos, o
sulco por onde corriam as várias tristezas em forma de lágrimas, a densidade da
barba de quem não era afeito a certos cuidados, a infância que queda em uma
cicatriz no joelho, os pigmentos que inscrevem a juventude nas tatuagens e as
tatuagens que contam do gosto pela vida.
Entretanto, nem tudo estava
ali fazia tanto tempo, nem tudo ali ficaria por muito tempo e justamente isto
era mais profundo, justamente isto marcou-me. Ali, seguindo pelo braço, ombro,
pescoço e depois costas, ali, na pele, eu lia: o amor deixa marcas no dia
seguinte.
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