sábado, 5 de fevereiro de 2011

Num dia qualquer:

Um relato confuso do meu fim.

O céu azul,
As brancas nuvens de algodão,
Os pássaros gorjeadores de cores mil
O solo fértil por onde corre o límpido rio
O vento vivido faz vocalização
Nas copas das árvores – Ah, vento sul

Para além da pintura idílica pregada na parede vejo um céu cinza,
Vejo nuvens cinzas,
Vejo pássaros sem asas que não sabem mais cantar,
O vento entoa o som das fábricas, no ritmo frenético do consumo – Ah, o vento do capital

Ao meu redor? Vejo o mundo!
& tudo está conforme
& isto é que o deixa mais podre
& é isto que me faz mais eu

Eu me sinto numa cadeia,
Eu me sento numa cadeira,
Admiro a taça a minha frente,
Olho o líquido em seu interior borbulhar.

Eu vislumbro suas possibilidades & imagino-o em mim,
Experimento sua potência fluir em minhas veias
Eu o bebo,
Eu o sinto descer minha garganta, queimar meu peito & cortar minha alma.

Mas isto não basta!

Tenho-me vazio & repetitivo
Tenho-me frio, mórbido, depressivo & suicida
Em desejo decisivo opto por não decidir
Em deixar de viver & deixar-se morrer
No momento mais fortuito & soturno
No noturno breu do meu eu
Na mais infame das rimas que formam meus complexos
Que em um amplexo sufocam o ar, que não entra nem mais sai
O fim de mim mesmo, por mim mesmo

As pílulas espalhadas sobre a mesa não me tiram desta prisão – elas me prendem mais & mais!
A faca já não corta a hipocrisia do meu corpo – ela está cega!
A corda já não sustenta o peso em minhas costas – ela parte-se!
A bala já não tem mais escrúpulos a perfurar – um risco no ar!
& tudo em mim não é mais que um efeito, passivo, consciente, fraco, depressivo & suicida
Que não sabe fugir, que não consegue fingir, que não pode mais que cingir & pungir a si mesmo em um fim qualquer, em qualquer lugar, sem motivo algum & em momento comum, aqui, agora, na hora, ou outrora – na aurora, no crepúsculo, no opúsculo, sem músculos, sem ossos, somente destroços & restos de medos, angústias & impropriedades.

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