Da poesia-transgressão (à poesia-cortesã)
O que outrora foi faca no coração do rei,
Foi flecha no joelho dum cavaleiro,
Hoje é signo de doutos, legem Dei,
Linhas de cristalização do náufrago veleiro...
O que outrora foi espada de lâmina afiada
Foi aríete como máquina de irrupção,
Hoje ara a terra, enseja a fixa morada.
Dessa feita, onde está a poesia-transgressão?
"No casamento, o Didi
teve lua-de-fel:
A noiva era um travesti
tipo gilete, e cruel!"
"Foi o ancião pedir milagra
ao Bispo de Iguaçu.
Chegou lá de pica mole,
voltou com tesão no cu..."
"Meu cu tem tanto cabelo
que até parece papoula.
Por mias que evite fazê-lo,
suja de merda a ceroula."
Não se trata do cenário escatológico
Nem sequer da palavra chula,
Mas do perigo ontológico,
Do incômodo ético que a trova inocula
A verdade a ver navios
Jamais verá outra vez
Os portos & os rios
Com certeza com que fez
Enquanto carregou consigo
Todo peso do dever
Jamais poderia sair do umbigo
& lançar-se à louca lucidez
Assim,
Sem propriamente um caminho
Falo a mim:
Como guiar esse redemoinho,
Sem por ele ser tragado
Sem ter que dançar de braços abertos,
Corpo nu & olhos fechados?