Terra de clausura (variação um)
Bau
Distopia
Enclave
Grande casa
Gouffre
Heterotopia
Inferno
Limbo
Schloss
Terra de clausura
A clausura das terras de clausura
É bem menos visível que aquela
Das paredes das salas de aula
Das celas
Das cédulas
Das células
Dos escritórios
Dos estúdios
Dos muros das escolas
Das prisões
Dos manicômios
Dos hospitais
Dos quarteis
Das fábricas
Dos mercados
Dos supermercados
Dos shoppings
Dos condomínios
Das casas
– Ainda há casas?
Das camas
Dos leitos
Dos leites que amamentam as crianças jovens e adultos
E os doutos
E os doutores
E os autores
A clausura
Nas terras de clausura
É bem menos visível
Que estas visíveis a olho nu
É bem menos tangível
Que estas tangíveis a mãos nuas
É bem menos dizível
Que estas dizíveis a voz nua
É bem menos audível
Que estas audíveis a ouvidos nus
É bem menos sensível
Que estas sensíveis a corpo nu
(Quase)
Invisíveis intangíveis indizíveis
Insipidas inodoras incolores
Elas têm um sabor muito mais amargo
Sabem-nos muito mais profundamente
Mastigam-nos muito mais profusamente
Elas têm um odor muito mais impregnado
E uma cor muito mais vibrante
Tanto que já não a vemos ouvimos cheiramos ou saboreamos
Essa clausura
Essa clausura
Ela já não é senão
Nossos olhos
Nossos ouvidos
Nosso nariz
Nossa pele
Nossa boca
Nossa língua
Ela já não é senão
Nosso corpo
Essa clausura
Ela já não encerra só os corpos
Anêmicos
Anômalos
Anormais
Bárbaros
Bestiais
Brutos
Coprófagos
Criminosos
Delinquentes
Dementes
Desarrazoados
Doentes
Enfermos
Esquizofrênicos
Eufóricos
Histéricos
Improdutivos
Incestuosos
Incivilizados
Incultos
Indisciplinados
Infantis
Insensatos
Irracionais
Loucos
Lunáticos
Marginais
Monstruosos
Onanistas
Paranoicos
Patetas
Patéticos
Refugos
Restos
Risíveis
Rotos
Sandeus
Senis
Tolos
Transviados
Et cetera
Et alli
Dentro de paredes brancas e buracos negros
Ela encerra o fora
O não-dito
O não-visto
O não-degustado
O não-cheirado
O não-tocado
O não-experienciado
O pas-encore-vécu
A clausura destas terras de clausura
Encerra o fora
(Ilha de loucura e doença mental)
Encerra do fora
(Enclave biopolítico e neoliberal)
A terra de clausura
Diferente das instituições de clausura
Já não encerra os corpos
Encerra a experiência
E aí
Mesmo os corpos
(liberais)
Livres leves e soltos
Na facilidade inenarrável de um passeio no shopping
Na felicidade inefável de um passeio no parque
Tornam-se presos de uma penitenciária a céu aberto
E aqui inverte-se a máxima platônica:
– A alma é a prisão do corpo