segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Na modernidade ecoante:

Narciso aprendeu a nadar,
mas continua só

Narciso aprendeu a nadar, mas continua só

Seus ossos crescem, seus ossos doem
Sua bela flor, a dor que vaza
O vazo que guarda a tal bela flor
Seus olhos vêem, seus olhos choram

E a moem a mesma dor que lhe fura outra vez

Seu corpo fala sem mais poder mentir

Seus braços crescem, seus braços que laboram
Espelho sem reflexo, perfume sem cor
Cor que lhe pinta a face e corta como faca
Seus órgãos suspiram, seu órgãos que transpiram

Seu peito sangra sem mais poder fingir

Narciso aprendeu a nadar, mas continua só
Narciso aprendeu a nadar
Narciso apreendeu o nada
Narciso não aprendeu?

Narciso aprendeu a nadar, mas continua só
Seu corpo fala sem mais poder mentir
Seu peito sangra sem mais poder fingir



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Fração:

Sobre alguém que não sabe esperar

Não importa onde estivesse, podia ser na cama, na sala, na varanda, na rua, sob o sol ou sob a lua, nem importava o que fizesse, podia estar cantando, tocando, escrevendo, assistindo a um filme alemão ou mesmo parado sem fazer nada, não importava, só o que vinha em sua mente era que tinha de esperar a ligação.
Nada era uma distração, nada trazia satisfação, nada, nada, nada. Tudo lembrava o fato de estar esperando o maldito contato. Tudo girava, em sua mente, em torno da espera. Mesmo antes de o dia da espera propriamente dita já sabia que haveria uma espera, isso já era angustiante, a espera pela espera.
O maior defeito seu era este, não conseguir esperar. Diria mais, não conseguia deixar a espera sair de sua mente talvez nem a morte de um ente próximo seria o suficiente para distrair do fato de estar esperando. “Maldita espera! Maldita demora!” – Repetia várias vezes a si e claro, de nada adiantava para solucionar a espera.
A única solução era esta espera ser substituída por outra. Espera que se sana, porém cria outra espera, assim sucessivamente até a espera final. A espera pela morte. Porventura a morte seria a única espera que não fazia questão de chegar. Não seria de estranhar de que estas outras esperas que a antecediam fossem subterfúgios para adiar a tão temida e esperada – espera final. Isso podia se cogitar.
Podia se cogitar que ninguém ligaria, que nenhum contato seria feito e o que seguiria seria uma tremenda insatisfação que geraria a espera por alguém ou algo que suprisse tal carência deixada pela espera anterior não satisfeita. Podia se supor que caso esta espera fosse encerrada com a ligação outra pior se sobre poria e, esta, quando eliminada, seria sobreposta por outra pior e assim até que, talvez, e somente talvez, gerar-se-ia um desejo suicida para acabar com as esperas.
Mas não iria matar-se agora, precisava esperar pelo telefonema e tinha de garantir que tudo estivesse funcionando perfeitamente para que pudesse recebê-lo quando e caso ele chegasse. Toda sua atenção volta-se para o aparelho telefônico, não conseguia focar no livro, no filme, na música, na conversa das outras pessoas, nem mesmo em seus pensamentos – que agora eram uma geleia de ideias.
Por vezes ficava olhando o telefone. Encarava-o como se estivesse tentando explodi-lo com o poder da mente – que obviamente não possuía. Obviamente também não queria explodir o aparelho, precisava dele funcionando plenamente para que ligação pudesse acontecer. Se por algum motivo aquele telefone parasse de funcionar sabia que aquele seria o momento em que alguém ligaria, seria naquele exato momento em que o telefone tocaria.
Aliás o cuidado para garantir que, com o aparelho funcionando perfeitamente, se ouvisse o aparelho tocarera constante. Para qualquer canto que fosse levava consigo o telefone, mesmo quando ia de um aposento a outro apanhar um pouco d’água, coisa de nem dois minutos, levava-o consigo, tendo em mente que a distância entre os aposentos era de alguns metros e o volume da campainha do telefone era suficiente para se ouvir de uma distância bem superior a esta. Mas em sua mente todo cuidado era pouco.
Em certos momentos descontava sua incapacidade de lidar com a espera na inocência silenciosa do aparelho. Berrava, xingava, esbravejava, lançava seu palavrões mais ásperos e fazia jorrar toda sua raiva sobre o eletrodoméstico.
Em outros era um ser peripatético, movia-se de um lado ao outro tentando achar soluções, tentando entender a demora, tentando sublimar a espera, tudo em vão, tudo um amontoado de frases, fragmentadas, sem nexo, sem sentido.
Um monte de desculpas que se moviam de maneira bipolar, os pensamentos vagos que corroíam o tempo sem deixar esquecer-se da espera. Espera. Espera. A fera. Quimera. Quem dera poder sobrepô-la, superá-la, entendê-la, esquecê-la. Fazer daquilo mero passado.
Mas não era assim, aquilo se tornara um muro de casa de detenção. O muro. O murro que o impedia de seguir. Impedia de ser mais, de pensar mais, de fazer mais que só esperar. A espera pela pantera. A pantera que devora sua alma, em uma mistura de medo, angústia, resignação e insegurança.
Se soubesse como lidar com a espera. Simplesmente, se soubesse esperartudo já não seria um problema, tudo seria um doce deleite. Uma magnífica expectativa pelo que viria a ser, sem pré-ocupações mórbidas. Se bem que seu problema não era as pré-ocupações mórbidas, sequer eram pré-ocupações, eram apenas um não poder esperar, não lhe importava se viria a ser ou não, como viria a ser ou como deixaria de ser, apenas o fato da dependência de outro, isso sim, era doentio. Aquela maldita espera era mórbida, era um gangrena em sua alma, que só tendia a piorar.
Mas acima de tudo isto, ainda estava à espera da ligação. E só isto importava. Esta espera e nada mais.

Um ente...

Entre uma taça & a couraça

Ela decidiu fechar os olhos para tentar sentir o frio da taça em sua mão. O frio do cristal, em contato com o frígido gelo que flutuava num líquido rosado semitransparente. Mas seu corpo era mais frio, seu corpo era gélido, um composto inorgânico de matéria negra no interior de um moribundo cadáver de átomos de carbono perfeitamente combinados segundo uma ordem irracionalmente caótica & irrisória demais para explicar a vida em um corpo como aquele.
Na tentativa de encontrar alguma sensação, alguma exposição do calor da vida em si levou o copo à boca, virou-o de forma a poder ingerir todo o líquido em seu interior.
De uma só vez o líquido desceu, garganta a baixo, queimando-a & por fim dissipando-se no infinito de seu estômago. A sensação cortante lhe fez morder fortemente o copo, mordeu o mais forte que pode. Mordeu a ponto de o fino cristal partir-se, fazendo diversos talhos na parte superior & inferior de seus lábios. Talhos finos, longos & profundos. Talhos rápidos & precisos.
& entre a carne de seus lábios & o cristal da taça espatifado, misturava-se o sangue. Sangue vermelho. Sangue intenso, vivo & voraz!
Sangue que em segundos jorrava-lha à boca, banhando-a de um rubro manto. Mas não foi dor que lhe transbordou junto ao sangue. As hemácias vazavam-lhe aos vasos carregadas de euforia, sobejavam uma satisfação ignota, nova & incrivelmente impar.
Como se presa a um cenário onírico, ficou, ali, refém desta sensação durante minutos, vários & longos minutos. Minutos que seu cérebro não saberia contar. Seu cérebro pôde apenas titubear entre um nada incerto & certo nada em que todas as palavras cabem, mas nenhuma, nem a soma de todas o completa, o preenche.
& ao fim, ao dar-se conta de si, ao olhar para fora de si, percebeu seu corpo estendido ao longo da sala de estar, por sobre o carpete, ao lado de um sofá branco, importado, fino material.
Ao seu redor, cercando-lhe, havia um grande número de pessoas, dentre as quais as caras variavam entre desprezo, nojo, espanto & desespero. Algumas mãos tapavam os próprios olhos, outras os olhos ao lado, outras mãos iam das laterais da cabeça à boca. Aos seus ouvidos a contemplação de gritos horrorizados mesclava-se com resmungos de indignação, balbucios de escárnio & passos frenéticos. Por fim sentiu a sua visão turvar-se & escurecer-se até ser totalmente coberta por um véu negro, negro como a matéria de seu coração, negro & frio como seu interior.

sábado, 15 de janeiro de 2011

C'est la modernité:

Main-d'œuvre esclave et le sueur de la plante comme les parfums

& se teus braços não mais são de carne
& se tu não eis mais um todo – eis fragmento
& se a tua miséria lhe é dada como encarne
& se tua vida lhe é consumida a cada momento

É porque estais na modernidade

& se não te pertence o fruto do teu labor
& se não te parece tua autonomia o sumo
& se já podes até mesmo comprar amor
& se teus desejos são objetos de consumo

É porque compartilhas minha realidade

& se não há mais revolta contra a fome
& se não importa que se morra de fome
& se há censura ao pensares em quem passa fome
& se só a humilhação pode saciar tua fome

É porque estais no Capitalismo

& se não mais podes criar nova singularidade
& se não há coisa que não possa ser vendida
& se tens de adequar-te a uma identidade
& se tudo é incluído ao consumo, sem saída

É porque o que te cerca é consumismo

& se tu hierarquizaste todo o teu ser
& se tu compras até mesmo teus valores
& se te tornastes fragmentos irreconciliáveis
& se o suor escravo é tão perfume quanto as flores

É porque estais na nossa bela modernidade

& se tua resistência sofre um processo fagocitário
& se tudo isto de algum passa a te perturbar
É porque meu tormento não é solitário
É porque sofres do mesmo mal-estar

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Simplesmente:

Angústia

“Esmaguei o pouco de amor que poderia sentir no mundo. Matei os poucos seres que me faziam viver, e por quê? Pelo meu descuido. Pelo meu máximo descuido” – Pensou ela consigo.
Caminhava pelas ruas iluminadas por postes e por alguns letreiros luminosos enquanto pensava sobre o assunto. Decidiu-se por caminhar de volta para casa para poder remoer os acontecimentos daquela noite. Aquela, com certeza, não era uma noite qualquer, aquela estava sendo a pior noite de sua vida.
Costumava dizer aos quatro ventos que não mais sentia culpa, que havia sobrepujado tal herança, mas aquela dor, aquela dor em seu peito que assolava sua alma era no mínimo o resquício da culpa em sua mente, em sua alma. Talvez fosse culpa de seu irmão. Talvez fosse culpa sua por satisfazer os desejos fúteis do seu irmão. Claro que eram fúteis para ela. Talvez para ele fosse uma enorme futilidade a mania dela de colecionar livros, “para que tê-los, para que todos aqueles volumes de História da Sexualidade, as pilhas de Nietzsche, as compilações de textos de Machado, Heidegger, Sartre e outros tantos exemplares de tantos outros nomes? Para que tudo aquilo se para lê-los podia tomá-los emprestados de qualquer biblioteca da cidade?” – Assim dizia consigo mesma – “Para ele isto é que era fútil!”. Tudo isto ela penso. Tudo isto ela repenso. Sobre tudo isto ela refletiu. Isto batia pesado contra seu peito. O que a obrigou a parar várias vezes durante o percurso. Parar para respirar. Tomar fôlego para continuar.
De início tentou formas de esquecer aquilo, apagar ao menos momentaneamente aquilo de sua mente. Buscou formas de anestesiar a dor. Assim tendo decidido puxou seu livro amarelo para ler, mas as palavras se tornavam ininteligíveis ante a presença dos acontecimentos, em sua mente eles se chocavam com as frases do livro fazendo-as dissiparem-se no ar. Ao fim desistiu de tal intento. Passado um tempo tentando esvair aqueles pensamentos pôs os fones em seus ouvidos ligou o Mp4, mas a música era inaudível na presença dos pensamentos. Ela elevou o som ao volume máximo do aparelho, o que normalmente faria explodir a música em sua cabeça. Porém, não hoje. Hoje o som do erro lhe impedia de por sua atenção por muito tempo em qualquer outra coisa que fosse. Tanto era que, certo momento, nem se percebeu atravessando uma rua movimentada. Só notou-se em tal situação, pois o motorista do carro freio bruscamente e encheu a mão ao apertar a buzina, assim o som da freada brusca somado ao da buzina lhe despertaram.
Todo aquele erro! Por que tinha de errar justo com seu melhor amigo? “De tantos seres no mundo de quem eu nem sequer ligo para a existência eu tinha de ferir justo um coração de um ser amado?” – Pensou, depois continuo lamentando – “Ah, isso a doe, doe muito. Só eu sei quanto doem as pancadas da consciência”. Sem desanimar completamente seguiu. Alguns quilômetros uma pausa, mais alguns quilômetros e mais alguns minutos de serenidade ao corpo. Ao corpo, no entanto, não à mente.
Em uma das pausas propôs a si pensar em uma solução para aquilo, uma vez que não adiantava ficar se martirizando com o que já havia sido feito, não havia mais como voltar, não havia por que pensar em se tivesse tido mais tempo, se tivesse usado as palavras certas, se tivesse lembrado, se não tivesse esquecido, tudo aquilo não mais fazia sentido, importava uma solução, como concertar todo aquele tremendo engano. Não lhe foi fácil fazê-lo uma vez que cada detalhe deveria ser mensurado, já havia errado feio, não podia por tudo a perder tentando concertar o erro.
Talvez a amizade pudesse perdoar tudo sem grandes problemas. Talvez nem fosse necessário tanto pensar. Tanto repensar. Tanto refletir. Ou nem fosse necessário se desculpar, basta deixar as coisas rolarem. Não, ela já errara outras vezes, todavia aquela havia sido uma falta assombrosa, só confiar na amizade não bastaria. Talvez nem um simples pedido de desculpa fosse o suficiente. Talvez devesse dar seu sangue como forma de penitência. Não! O que estava falando? Ele jamais aceitaria como seu amigo algo assim. Ela sentia-se tola por chegar àquele ponto. Tola não, louca. “Oh, céus! O que fui fazer! Por que fui me esquecer? Por quê? Por quê?” – Murmurava ali sentada. Levantou-se e pôs-se a caminhar novamente enquanto as perguntas ricocheteavam em sua mente e feriam seu ego. Por que fora fazer promessas outras vez? Já havia se prometido não fazer mais isto, mas ignorou-se e fez. Aí estava o resultado: um erro que gerou outro e este segundo não era um simples erro era uma enorme – cagada! Como doía em sua consciência aquilo. Repetiu para si as frases do desenho que gostava tanto “Oh dia! Oh, céu! Oh, azar!”. “Oh, azar!?” – Riu de si mesma por pensar em azar. Aquilo não era azar, não daquela vez. Daquela vez era tudo sua responsabilidade. Das outras vezes poderia ter sido azar, mesmo que não gostasse muito de crer em azar, mas das outras vezes até poderia ter sido. Aquela não. Aquela vez o erro foi todo seu. “Um erro suficiente para acabar com uma amizade?” – Ponderou que não.
A certa altura do caminho já arrastava seus chinelos – era o cansaço. Agora, se o cansaço era de tanto andar, de tanto pensar ou era o peso do seu erro isto ela não sabia. Ela só arrastava seu corpo mais e mais. “Alguns minutos e já estaria em casa” – Falou para animar-se. Queria alcançar a casa para deitar-se em sua cama e descansar, sabia que não dormiria tão facilmente, mas ao menos chegando teria um pouco d’água para refrescá-la naquele dia tão quente e pesado. Para refrescá-la daquele erro tão duro.
“Ah, amargo arrependimento! Por quê? Por que bates a minha porta? Seria tão mais fácil se esquecer de tudo. Seria tão melhor não ter esquecido! Aí não teria errado. Aí estaria tudo pronto para se ser feliz. E para se repousar serenamente cada um em sua cama” – Ponderou, no entanto agora não mais pensava para si ou cochichava, já fala em voz alta. Quiçá, quem passava na rua e a via achava-a lunática, louca, desvairada, doida de pedra. De pedra. Quem dera ter uma pedra bem alta, um desfiladeiro gigante para poder atirar-se de lá! Um mergulho ao esquecimento. Um lançar-se ao nada final. Mas não, a consciência da dor que causara ao peito amigo, a mesma que lhe impediria de dormir, não a permitia completar tal ato. Precisava fazer algo para ao menos remediar o que fizera. O que faria então? Nada lhe vinha como resposta. Tudo parecia confuso e difícil.
Ela percebeu-se realmente aturdida quando sequer consegui lembrar que dia era aquele. Sabia que aquele seria para sempre o dia em que cometeu o que poderia ser o maior erro de sua vida. Toda aquela angústia pulsava em sua alma, em cada rincão de sua consciência lá estava atormentando-a.
Ao chegar a casa, tomou o gole d’água tão esperado. Pôs seu colchão para fora de casa, buscou papel e lápis, sentou-se no colchão e rapidamente começou a escrever o que sentia.
Tentou desabafar tudo o que comprimia seu peito. Após quase três páginas de rabisco parou, puxou o ar profundamente quase que estourando os pulmões, expirou todo o ar num grito retumbante. O que se seguiu foi o mais sincero e escuso choro por perdão.


Era uma vez...

Um homem que quis ler

Um belo dia.
Assim começam-se as histórias, não?
As histórias de finais felizes e sorrisos escrachados.
Mas, assim, não é essa história.
Sem heróis, sem glórias.
Talvez esse fosse um belo dia, quem sabe?
O homem que recém acabara de tomar café, em seu fim de semana que recém iniciara-se, assim esperou.
Abriu seu livro de contos para ler algumas páginas de contos sobre fome e artistas, também, sobre colônias penais e outros assuntos – esplêndidos?
Era contente que ele lia seu livro, ao menos tentou fazê-lo, mas, talvez, por sua idade, a concentração já estava afetada.
Cada palavra lida era quebrada impedindo formar-se uma frase coesa.
Quebrada por um ruído vindo da sala ao lado.
Levantou-se calmamente, foi até lá, observou seu filho assistindo TV um desenho educativo do tipo que ensina a ser naturalmente violento, do tipo que produz gozo intrínseco do homem pela dor alheia.
Os estampido e estalos eram constantes e impossíveis de serem ignorados.
Mudou-se, homem e seu livro, para o seu quarto.
Deitou-se na cama estendeu as pernas, espreguiçou-se – a cama o chamava!
Abriu o livro, começou a correr os olhos.
Até que uma voz estridente adentrou-lhe os ouvidos atravessando- lhos, como uma agulha o faz no tecido.
Não só os ouvidos foram cortados pela voz, mas a leitura também.
Nem mesmo trazendo o livro muito próximo de si e fitando-o firmemente – nada de frases inteligíveis!
Outra vez moveu-se ao quarto da filha, mas logo ao abrir a porta lá estava ela com a TV ligada num show, ultra-produzido, com luzes, telões e sons – muitos sons, diga-se de passagem!
Sons ensurdecedores, que o fizeram recuar.
Uma cantora, com uma voz – aquela voz!
Agudos desafinadamente intangíveis, batidas sonoras pareciam estar dentro de sua mente, a cada batida da percussão pareciam serem seus tímpanos atingidos pelas baquetas.
Fechou a porta, assustado, tremendo.
Pensou.
“E agora José?”
Foi até o banheiro.
Lá sim, dois prazeres de uma só vez.
Longe dos ruídos, estrondos, baques e atabaques por aí.
Arriou as calças, sentou-se e – a TV da sala parecia ter sido posta dentro do banheiro, ou então era uma maldição – só poderia ser!
Perseguição!
O Deus que ele nem sabia por que cria lhe odeia, devia ser!
Moveu-se para o único lugar seguro na face da Terra agora – O jardim.
Abriu a cadeira de praia de alumínio – Muito leve e nem enferruja, como na propaganda dizia!
Sentou-se, abriu o livro outra vez mais e como um enxame o som das Televisões das casas circunvizinhas somaram-se e invadiram-lhe a cabeça, a vibração correu-lhe peito abaixo até a ponta dos pés – sentiu cócegas em seu dedinho.
Aquilo não era mais o Jardim secreto!
Não mais restava saída – o que fazer?
“E agora José, e agora você?
Por que a luz não acabou, por quê?
Por que esse povo não se foi?”
O quão duro seria esse homem?
Protestaria?
Dançaria valsa ou gemeria?
Nada disso foi-lhe realmente uma opção.
Sentou-se na grama, pensou o que os zumbidos deixaram-lhe pensar.
Levantou-se e foi até o bar.
Beber uma cerveja?
Comprar um cigarro?
Jogar conversa fora?
Contar piada ou tirar sarro?
Perguntar-se-ia você.
Não.
Não!
Sentou-se numa das mesas, junto dos amigos.
Sentou-se para assistir futebol – na TV.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Reflexão...

Àquelas pessoas

Sentou-se no fim do píer, contemplando o pôr-do-sol.
Ocaso do astro rei – não ao acaso.
Ele firmava os olhos no horizonte.
Aquilo era o plano perfeito para pôr-se também.
Agora, meditabundo, pensava sobre aquelas pessoas.
“Sabe aquelas pessoas, ou aquela pessoa que lhe parece ser totalmente o avesso de si, parece-lhe de uma diferença incompatível, como a razão e a tragédia. Porém, cada vez que a fala dela dirige-se a si assalta-lhe uma falta de ar de tão rápida excitação que inunda a alma?
Aquelas pessoas que entram em sua vida.
Marcam-lhe o coração. Num instante elas estão lá, silenciosas, como se você não existissem. Uma amizade você pensa. E então, ela lhe chama!
Você – no fundinho de si –, agora, clama. Saltitam-se os ânimos.
Tudo tem cor mais viva. Mesmo que por um ínfimo minuto que seja a conversa. Você aposta em algo mais. É por isso que clama. O Algo-mais. O algo mais que ela desperta. Que ela provoca. Incontrolável.
O que você queria. Um bis. Só o doce sabor do bis nos lábios. Nada mais.
Abruptamente o silêncio. O vazio que prossegue é mortal.
Voraz.
Veloz.
Canibal.
Antropofagia dos sentimentos. Um baque no peito. E tudo volta a ser mais volátil que vapor. Mais incorpóreo que Éter. Um sonho. Desfaz-se para si.
Para elas? Não sei o que se passa.
Para si? A dor que não passa.
Àquelas pessoas que escrevo. Àquelas pessoas que descrevo. Que despejo, de leve, essas palavras. E aquelas pessoas, talvez – e infelizmente assim creio – pra sempre ver-me-ão como um amigo, ou menos, um conhecido.”
Nisso ele pensava, suspirando suavemente disse para os últimos raios de Sol que se escondiam no mar agora. “Para mim, esses seres ‘incompatíveis’ – não todos, mas uns dois ou três – ser-me-ão amores.”
Deitou-se nas tábuas úmidas.
Deixou as últimas palavras flutuarem pelo ar como sementes de esperança. De amor-dos-homens.
“Ser-me-ão amores
Atores.
Autores.
Para sempre em mim.
Amores.”
Continuou por ali, deitado sentiu sua mente ser carregada pela brisa tênue como tais sementes de dente-de-leão.

Adormeceu ao som das ondas.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Micro-poesia sobre macro-sensações

Grosso modo



Medro, mas não tanto.
Temo, mas não canto.
Corro, mas não levanto.
Choro, mas sem pranto.