domingo, 28 de janeiro de 2018

Au matin

Não dormi

      Deitei-me,
mas não dormi.
      Um mundo ainda acontecia dentro de mim.
      Não dormi porque minha pele era usina,
minha carne fervilhava qual multidão sedenta por revolução,
meu sangue era queda d'água a ribombar,
meu ar era vibrátil, rarefeito e enebriante,
meu pensamento era bloco de carnaval,
meu corpo era uma festa.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A uma não-pergunta

Esboço resposta

Milagres dionisíacos acontecem nem para o bem nem para o mal, mas para além de toda moral – e nesse átimo de embriaguez lúcida, entre despierto y durmiendo, se assim (amoral) não o for, morremos, morro eu, morres tu: dois corpos esquartejados e nus.


Tu

Apreciação

Aprecia-me do teu jeito
Do nosso jeito
Sem bula ou manual,
Mas manualmente,
Feito artesão,
Esculpindo os contornos dessa apreciação...


vão

Devaneio

Faço o que posso nesse agora que sou
Talvez pudesse ser alguém que pudesse fazer mais
Por ora não
Assim
Faço o que posso nesse agora que sou
E nesse agora sou des-sendo esse agora
E sendo outro que outras coisas pode
E outras coisas fará nisso que será


Pergunto-me

Espécime em extinção.

professor que não fuma, não toma café... nem antidepressivos. sou quase espécime em extinção – ou não sou professor?


bloco de nota

nota em bloco

e me doíam as juntas e me angustiava por trás dos olhos minha miséria e me enchia até o fundo da cabeça a ansiedade e me recobria uma tristeza a vagar sobre a pele e me ardiam os ossos e crepitavam os ouvidos cegos a língua mouca o nariz que já não podia mais deleitar-se com pessoa. e nada era extasia gozo jubilo queda e redenção morte e ressurreição salto em queda livre e mergulho num mar de regozijo cinza até qu’eu pusesse tocar um velho vinil de sérgio sampaio. ah sérigio. sacaste-me tu com teus nobres versos deste abismo de não poder amar minha dor minha miséria meu vazio meu fado de hoje. ah sérgio. devolveste-me o riso que aprendi a construir e o risco que aprendi a correr e o rico olhar para vida. ah sampaio. devolveste-me o ânimo para dançar meu fado favorito. sim sérgio. foi ela. pela janela. foi ela e ela não é pessoa. ela não é que tua música. foi ela que me invadiu o corpo. foi ela quem jogou meus versos de estimação pela janela. foi ela. foi ela. ela é a fera. ela é a bela. melancolia? palavras dizem nada. foi ela. foi ela quem me jogou pela janela. fora. fora. dei. dei o fora. o fora pela janela. 


Esboço:

História sem um fim...

Nos dias frios e sem luar, em que já não há mais flores no jardim e nem sequer jardim há, à beira-mar, sou só, quedo comigo e ninguém mais, pois já não creio em sereias. Nesses dias resta-me só minha solidão para amar – e a amo...




Refugiado

Mudei-me.

Mudei-me de bairro para não voltar a passar em frente à florista que faz habitar em mim as memórias dos perfumes das flores que ali compraste para me dar junto com teus beijos.
Mudei-me de cidade para não voltar a passar em frente à praça que faz errar sobre minha pele os arrepios dos abraços e laços e juras que ali, sobre a grama, fizemos.
Não faltariam árvores, pássaros, seixos, brisas e chuvas que nos fossem testemunhas desses desencontros, cujas lembranças ora me fazem fugir, ora me fazem, nelas, refugiar-me.

[...]

Refúgio: meu próprio coração.



naïf

semquerer

Sem querer importunar,
só passei pra registrar
que me bateu um saudade forte
tal, que s'eu pudesse, num teletransporte,
aparecia aí ao teu lado
só pra ganhar um abraço apertado.


Encontros

Há encontros que encurtam o sorriso
Há encontros que encurtam a distância
Há os que furtam a paz
Há os que roubam um beijo
           e nos permitem fugir
                        um no outro...


Lembrar

Souvenir

Nossas lembranças me presenteiam
                                     com flashes
que me esticam o horizonte do sorriso
                em overdoses homeopáticas
ao longo do dia
                   - que dia!
imprudentemente poético!


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

m...

eu

uma saudade, tu
uma cidade, tu
um lume, tu
um perfume, tu
um desejo, tu
um beijo, tu




sábado, 13 de janeiro de 2018

Coisa de pele

Segredinho

Essa escrita,
    feito transa,
    me excita
Deita fora,
    feito roupa,
    minhas palavras
E me resta,
    feito corpo,
    um sentido nu...

palavras

em grau de brinquedo

brincar feito criança
          trocar palavra de lugar
          pra não dizer nada
          pra dizer o que não se diz
                                              (o que não se deve dizer?)
          colocar o sentido de pernas pro ar
          pra sentir o que não faz sentido
          o que não foi sentido
sem ti
contigo
contido
          mudar a gente de lugar
          pra ver no que vai dar
          pra ver que não vai dar em nada
só pra nos ver
       só pra dar
            soprar
               só pra nos ver do avesso
              só pra nos ver nos versos
– e o resto?
guardo, segredado.


sob a chuva,

hoje

hoje,
sob a chuva,
te poetizei –
ou algo que me confessaste
– escrevi-te num papel:
                                       "quem está na chuva
                                          é para (se) dançar"


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Palavrar com machado

arar outra vez uma terra poética

Palavra puxa palavra,
Uma sensação traz a outra,
Um verso traz o outro,
E assim se faz um poema,
Um desgoverno
Ou um amor-sem-pendão.
Alguns dizem
Que assim é que a vida
Compõe seus fados...


Nota

em um caderno de memórias

...e te carregarei comigo,
como dor,
                 como ardor,
                                     com amor,
como modo de vida:
                                 gentileza.