quarta-feira, 30 de maio de 2018

depois do abraço

Sorte Macron

No íntimo,
eu desejava
– como nunca deixei de te desejar –
que pudesse ser.

No íntimo,
eu ainda desejo
– como nunca deixei de te desejar –
que possa ser.

No íntimo,
segredo tudo isso.

No íntimo,
secreto tudo isso.

No íntimo,
em segredo e em silêncio,
choro.

Choro.

Talvez fosse mais fácil se,
no íntimo,
eu não desejasse
– como nunca deixei de te desejar –
que ainda pudesse ser.

E se não puder,
desejo-te paz,
ainda que isso signifique que te vás.

E se puder,
assim espero,
eu espero,
um tempo outro,
um contexto outro,
um pretexto qualquer,
um gesto Micron,
uma sorte Macron.

Eu espero.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

antes do abraço

Ruínas [1]

choro
sobre as ruínas.
há muito que as admiro
com uma admiração quase orgulhosa,
mas dessa vez,
dessa vez mais,
elas lembram-me daquilo que queria erguido,
mas não pude manter.
desabou ante o peso da realidade
que minha inabilidade não soube superar.
eis o que restou
e sobre isso minhas lágrimas são
tão verdadeiras quanto pude invetar um amor,
tão sinceras quanto pude brincar de amar.
tentei desaprender
e dançar com esse amor
mas,
outra vez mais,
vitória de minha insensibilidade
e falta de perícia.

choro
na esperança
de que essa água posso nutrir a terra
para que as eras abracem o que sobrou,
para que flores brotem ali
e façam de minhas ruínas
uma obra de arte digna de ti.

alegria

choro

a voz travou
o choro verteu
não era dor
era só uma alegria intensa e radiante diante da exuberância de uma amizade

quinta-feira, 17 de maio de 2018

grande casa

rosas & roubos

as rosas te roubam
o perfume

eu roubo as rosas
carregando na mão
um lume
de desrazão

eu roubo as rosas
que te roubam
na vã esperança
de que voltarás
mas não voltas
e não vês minhas lágrimas
roubadas de dor

não voltarás
para ver que
feito as rosas não falo
exalo
olhos entristecidos
porque não voltas
porque feito rosas
pisadas por negras botas
embotas
em uma cela
sala
cinza
sem saída

numa grande casa
a fechar a vista a chaves
a fechar a vida
e empurar todo horizonte
para a miséria de quem
é doente,
delinquente,
louco
e nada mais

és uma rosa
que roubaram de mim
do mundo
para deixar murchar
secar
morrer
à espera dum vencedor

inesquecível

teu rosto

mal consigo esquecer teu rosto
não, não é saudade
distância
ou tempo
não, não é mais uma história de amor que não deu certo

mal consigo esquecer teu rosto
por conta das pauladas,
porradas,
pedradas
tapas e socos
da vida.

perdi a conta das vezes em que na vida
os adultos
desde criança
os homens
desde mulher
os brancos
desde negro
os europeus
desde índio
os heteros
desde homo, bi, trans, travas e tantos outros sem nome ainda
gravaram a ferro e fogo
teu rosto na minha pele

perdi a conta das vezes em que o mundo
não me deixou quieto
e me emudeceu
não me deixou em silêncio
e me silenciou
só porque eu queria esquecer teu rosto
para poder te amar outra vez
ainda uma primeira vez mais.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Praça da Cidadania


ironia

não sabia que teu nome era praça da cidadania
até que o ser humano te construísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –
e que a natureza (ironicamente) te destruísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –
e o ser humano te reconstruísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –

só então descobri que tinhas este nome
porque sempre pensei que teu nome deveria ser:
praça da desertificação



Breve história

Juras

Jurara
Juraras
Juráramos
Jurei
Juraste
Juramos
Juro
Juras?
Já eramos...

CAOMA

CAØS-CALMA

caos
caos
caos
repito: caos
vida caos
caos vivo caos
dionísio
marte
ades
titãs tupã loki
filhos do caos
prontos a
(re)
introduzir o caos
caos
vida caos
caos vive caos
repito: caos
caos
caos caos
c
  a
     o s
  a
c
caos causa tanto
que tantos tentam
soterrá-lo com uma pá de cal
– mas o caos
o caos nunca morre


mas calma
caos de mais
– vida sobejante
exuberantemente trágica –
mata
então calma
devagar com a dosagem
ou talvez uma fórmula:
caos & calma







quarta-feira, 9 de maio de 2018

enclosureland // two

Terra de clausura (variação dois)


Viajo,
e o caminho,
então,
me diz
:
eis a terra de clausura

desdobradura dos passos de um pensamento atento ao movimento do solo,
sensível aos abalos sísmicos
e aos embalos rítmicos de quem habita esses países nada maravilhosos
.
Vale nota
:
Seu significado é menos o da clausura
) fechamento ou situação de encerramento (
institucional,
é menos os muros de tijolos e cimento,
do que a clausura do Fora,
do que os muros que encerram sobre si o Dentro
) homo œconomicus neoliberal e biopolítica (
ou enclausuram o Fora numa ilha
) loucura e doença mental (
.
Terra de clausura é
uma terra de niilismo que tenta,
ostensiva,
sub-repticiamente,
extensiva e intensivamente,
fechar-se às
des
/
re
dobras
e às forças do Fora
.
A terra de clausura também é conhecida por outros nomes
:
abismo;
castelo;
construção;
enclave;
grande casa;
inferno;
limbo;
utopia;
distopia;
heterotopias
.



enclosureland // one

Terra de clausura (variação um)

Bau
Distopia
Enclave
Grande casa
Gouffre
Heterotopia
Inferno
Limbo
Schloss
Terra de clausura

A clausura das terras de clausura
É bem menos visível que aquela
Das paredes das salas de aula
Das celas
Das cédulas
Das células
Dos escritórios
Dos estúdios
Dos muros das escolas
Das prisões
Dos manicômios
Dos hospitais
Dos quarteis
Das fábricas
Dos mercados
Dos supermercados
Dos shoppings
Dos condomínios
Das casas
– Ainda há casas?
Das camas
Dos leitos
Dos leites que amamentam as crianças jovens e adultos
E os doutos
E os doutores
E os autores

A clausura
Nas terras de clausura
É bem menos visível
Que estas visíveis a olho nu
É bem menos tangível
Que estas tangíveis a mãos nuas
É bem menos dizível
Que estas dizíveis a voz nua
É bem menos audível
Que estas audíveis a ouvidos nus
É bem menos sensível
Que estas sensíveis a corpo nu

             (Quase)
Invisíveis intangíveis indizíveis
Insipidas inodoras incolores
Elas têm um sabor muito mais amargo
Sabem-nos muito mais profundamente
Mastigam-nos muito mais profusamente
Elas têm um odor muito mais impregnado
E uma cor muito mais vibrante
Tanto que já não a vemos ouvimos cheiramos ou saboreamos
Essa clausura

Essa clausura
Ela já não é senão
Nossos olhos
Nossos ouvidos
Nosso nariz
Nossa pele
Nossa boca
Nossa língua
Ela já não é senão
Nosso corpo

Essa clausura
Ela já não encerra só os corpos
Anêmicos
Anômalos
Anormais
Bárbaros
Bestiais
Brutos
Coprófagos
Criminosos
Delinquentes
Dementes
Desarrazoados
Doentes
Enfermos
Esquizofrênicos
Eufóricos
Histéricos
Improdutivos
Incestuosos
Incivilizados
Incultos
Indisciplinados
Infantis
Insensatos
Irracionais
Loucos
Lunáticos
Marginais
Monstruosos
Onanistas
Paranoicos
Patetas
Patéticos
Refugos
Restos
Risíveis
Rotos
Sandeus
Senis
Tolos
Transviados
Et cetera
Et alli
Dentro de paredes brancas e buracos negros
Ela encerra o fora
O não-dito
O não-visto
O não-degustado
O não-cheirado
O não-tocado
O não-experienciado
O pas-encore-vécu

A clausura destas terras de clausura
Encerra o fora
                        (Ilha de loucura e doença mental)
Encerra do fora
                        (Enclave biopolítico e neoliberal)

A terra de clausura
Diferente das instituições de clausura
Já não encerra os corpos
Encerra a experiência
E aí
Mesmo os corpos
                 (liberais)
Livres leves e soltos
Na facilidade inenarrável de um passeio no shopping
Na felicidade inefável de um passeio no parque
Tornam-se presos de uma penitenciária a céu aberto
E aqui inverte-se a máxima platônica:
– A alma é a prisão do corpo



Soneto diante do precipício

paus copas espadas ouros

a M. L.

se já nos sabemos à beira do abismo
        (que cavamos com nossos pés)
será sempre isso

será sempre isso
diante do precipício
ainda que saibamos a direção

será sempre isso
paus e pedras
Paus Copas Espada Ouros

será sempre isso
mas sempre além da
gasta imagem
defumada com charutos e
regada a champagne

será sempre isso
borrar as pinturas
com sangue, suor e sêmen


Nós

Cardeais

Para o mapa
Norte é o sentido do desenvolvimento
E sul é para onde migram as andorinhas no inverno

Para um imã
É o sul que fica para cima
Enquanto é o norte que está abaixo da linha da pobreza

Para o universo
Nem existe tal coisa como cima e baixo
A cabeça e o pé dos mapas
São puro arbítrio político 
 vencedores sobre os vencidos
se dirá 

Mas para o universo
Também
A Terra é ínfimo grão d'areia na poeira espacial
E o ser humano algo mais desimportante ainda

Seria admirável se um dia outra forma de vida soubesse que houve Terra
Que houve um animal

Que
Inventor de verdade
Vive em tal miséria polar




sábado, 5 de maio de 2018

e agora...

o jogo perdeu a graça

o jogo perdeu a graça?
o jogo se perdeu?
o sonho acabou?
o jogo acabou?
o jogo perdeu a graça?
o jogo perdeu a graça?
game over?
outra partida?
e a graça, José?
o jogo perdeu a graça?
o jogo perdeu a graça?
e agora, Maria?
é hora de outro jogo,
porque jogar ainda tem sua graça.


terça-feira, 1 de maio de 2018

A um amigo


A esse amigo

Queria escrever a um amigo.
Um amigo com cujo encontro,
Como já disse uma vez,
Fez-me devir quem sou.
Um amigo com quem aprendi sobre os astros,
Sobre os outros,
Sobre os átrios,
Sobre os loucos poetas e poetizas mais solenes e insolentes.
Amigo com quem aprendi a recitar poemas baudelairianos de cor e,
Também,
A exercitar a empatia de coração.
Um amigo mais que amigo,
Dum amor mais que amor.
Amizade de órbita elíptica –
Ora mais próximos,
Ora mais distais,
Sempre a movermos os mares e marés um do outro.
Queria escrever a esse amigo para dizer-lhe que,
Se às vezes pareço distante,
Alheio,
Ou indiferente,
De fato,
O que se passa é uma recalibragem de meus próprios limites,
Contornos e costuras para perceber em mim a força para andar com os próprios pés,
O tato para sentir em mim o calor duma chama capaz de acender-me feito fogo de artifício e ascender-me um ponto em qu’eu possa brilhar como esta amigo um dia profetizou,
Ou melhor,
Como este amigo um dia,
Sagazmente,
Revelou-me o que via em mim,
Que eu mesmo não podia ver e agora procuro.
A esse amigo,
Sob o pretexto de uma data comemorativa,
Queria escrever um poema de amor,
De amizade,
De gratidão e de algo muito além disto tudo.
A esse amigo,
Desejo saúde e sorte –
Sorte que nos permitirá cruzar as rotas e os braços em abraços ainda uma vez mais.