quarta-feira, 30 de março de 2016

quand les statues pleurent;

quando as estátuas choram

quando as estátuas choram
suas lágrimas carregam pedaços
pequeninos de pedra, maços
de átomos e moléculas que goram
e, não vingando,  
não se vingam
daquilo que os fez cair
e ir
indo...

mesmo as estátuas choram
e quando elas choram
não lavam a alma,
mas o corpo e a calma
daquela que sente
profundamente,
pois no fundo
o que nos resta nesse mundo
é esse corpo que vez ou outra medra,
deixa de ser mera pedra
e chora...


Sob o luar,



Do modo com que...
Do modo com que
   me rasgas a cara com sorrisos
   e me arrancas frouxos risos
   até parece fácil fazê-lo;
   até parece falta de zelo
   dizê-lo,
   assim,
   abertamente.
Mas é que minha mente,
   minha gente,
   não tem jeito
   de parar de querer
   que me rasgues a cara,
   que me arranques do peito
   essa pedra rara,
   esse bem-te-querer...

Poemeto 2:

Riu

Riu.
Desarmou-me;
   decompôs-me;
   derreteu-me:
Fluí,
   rio...
Riu?
Ri.


Poemeto 1:

Sorriu

Sorriu-me
   desfazendo-me.

Não me restou nada
   senão
   um sorriso;
   não me restou nada
   senão sorrir.





Composição...


PAISAGEM

Sentado em uma poltrona, com o livro aberto, aproximei meu nariz das páginas tocando-as lá onde elas se curvam e se encontram e somem, como a luz que é dragada sem piedade pela gravidade faminta dum buraco negro.


Com o nariz bem próximo inspirei o odor que aquele papel novo cor de creme exalava. Um livro recém comprado. Seu cheiro inesquecível, inconfundível...


Inspirei outra vez enchendo os pulmões até quase explodirem e deixei o perfume excitar-me ao sair levemente com o ar que eu expirava de modo lento, calmo e regozijante.

As letras que tão pouco dizem aos olhos nada podiam dizer a meu nariz. Porém, nos  sulcos daquela folha porosa, eu recolhia informações infinitas. Podia fazer viagens para outros tempos, podia recriar outros espaços, desenhar lugares utópicos, compor lugares outros…


Podia deleitar-me como se sentisse meus músculos sob o efeito de álcool e meu cérebro sob o efeito de ácido. O infinito me abundava. E eu fazia parte dele.


Ao mesmo tempo, eu me esvaziava. Meu Ego se desfazia. Eu era nada. Enquanto aquele infinito me habitava. Eu, nada, infinito… Ali, dissolvidos… Miscível, eu era infinitamente nada. Éramos ali o agora vazio. Sem ser, sem limites, sem ter. Nada. Caos.


Esse caos que agora eu era. Essa caos, fluxo sem fim, rio torrente, torvelim sem corpo. Esse corpo sem alma. Essa alma sem forma. Essa pura energia que se poderia tornar qualquer coisa.


Nesse caos que eu era, podia ouvir-me como ondas do mar em uma praia. Podia tocar suave a areia fina escorrendo-me sobre ela. Podia infiltrar-me nela, a passar entre os grãos, molhando-a. Desfazendo-me onda a encharcar a praia até a saturação da areia. Transbordando-a. E então voltar, água, ao mar e uma vez mais ser onda.


Podia cheirar-me menos como matéria, água, e mais como energia, onda.


E assim como a água inundava e possuía e misturava-se como a areia, eu sabia-me inundando e atravessando a água e dando a ela vida enquanto ela dava-me corpo, miríade de corpúsculos. Era corpo e força, vida e matéria. Era tudo aquilo que se move mesmo a estar no mesmo lugar. Tudo aquilo que vibra mesmo à beira de congelar. Tudo o que jamais tocará o zero absoluto. Eu sentia-me lá…


Todavia, foi-se  afastando-se. Paulatinamente as imagens foram ficando turvas e os odores difusos e os sabores tornaram-se pálidos e tudo quedava tão longe que não se os podia mais tocar... Tudo foi indo até amalgamar-se ao esquecimento. Ao nada. Ao caos…

A porosa página cor de creme foi se afastando do meu nariz. Nela o cheiro de livro novíssimo, agora fraco, ainda resistia às últimas aspirações daquele corpo que se distanciava na aceleração constante de um corpo que caía inane e inerte sobre a poltrona. Caía um corpo. Um corpo morto.

terça-feira, 22 de março de 2016

Eu sou...

Eu, sol

Nasço com teu sorriso.
Ponho-me com teu olhar.
Acordo, inspiro o ar
E sinto inundar-me a falta de ciso
Do impreciso que é viver
E alegro-me,
Pois durmo sem amanhã
E levanto-me no afã
De te encontrar,
O verve
Que ferve meu buliçoso ser.
Tenho pouco
Quase nada
E assim posso não ser
Senão devir sem cessar
De sensações, de amar, de emanar
De vir, ver e viver...


Dizem...

Que estou triste

Que estou triste
É o que dizem os outros,
Hoje.

Que estou triste porque partiste
É o que dizem,
Homens e mulheres.

Que estou triste
É o que tento me dizer.
Mas não posso;
Não quero;
Não consigo!

Que estou triste
Seria mais prático me convencer.

Que estou triste
Mais fácil seria crer.
Mas não posso;
Não quero;
Não consigo!
O que sinto
Não tem nome.
O que sinto
Ninguém pode sentir.
O que sinto é só meu.
E só meu pode ser.

Que estou triste
Porque partiste
Não posso;
Não quero;
Não consigo dizer.
Partiste
E eu fiquei...

Parte-se o coração
Parte-se uma vida
Uma linha
Um destino
Parte-se com ou sem algo
Ou comparte-se...

Mas...
Que eu estou triste,
De fato,
Não posso dizer. ...
Porque o que sinto
Não tem cor;
Não tem cheiro;
Não tem nome,
Ainda...


quarta-feira, 16 de março de 2016

Paisagem:

Pôr-dos-teus-olhos

Olho a paisagem.
As cores poentes tocam meu rosto,
Aquecem minha pele,
Deixam um doce gosto
Em minha boca.

Aperto os olhos.
Vejo a minha frente
No horizonte
O ribombar de um ocaso.

Eis a fonte
Duma alegria intente
Que transbordou meu corpo.

(Olho-paisagem)

Essa luz que me vem;
Esse gozo advém;
Esse ser que devém (em mim)
Era o pôr-dos-teus-olhos!



segunda-feira, 7 de março de 2016

[po(her)esia]


.a.b.r.a.ç.a.r.

Abraçar-se
Abra-ser-se
De modo a que, de toda
Libido, floresça não ego
Mas um cego
Desejo
De vida
Que tátil
Háptico
Rasteje
Fareje
Toque
E que não sonhe
Senão enquanto vive
E que não viva sem sonhar
E sentir
Sentir
Sem ti
Sem
Se
S



Je l'embrasse.


Abraço.

Eu a abraço.
Abraço.
Abraçamo-nos
Até que nossos cheiros formem um perfume
Só.
O meu ao dela
O dela ao meu
Se confundam, se misturem,
Se fundam.
Até que nossos braços
Se misturem, se confundam,
Se fundam.
Os meus aos dela
Os dela aos meus.
Até que as linhas de meu corpo
Se prolongue nas do corpo dela.
Até que a pele se dissolva
E nossos músculos tornem-se missíveis
E nossas veias e artérias
Atravessem os dois seres
Indistintas
E nossos corações devenham um
E nossos fluídos
Se fundam,
Se confundam, se misturem
E nossos afetos já não sejam
Nem meus
Nem dela
E dos dois
Juntos
Não sejam nem nosso.
Que a propriedade
[Meu teu nosso
Dele dela ela eu]
Se exsolva,
Escorra pelo ralo
E não deixe nem cheiro
Nem cor
Nem nada
Que não seja flor.
Nem nada que não 
Se misture, se funda,
Se confunda.
Nem nada que não abunda
Na alma
Na calma
No desejo.
Nem nada
Mais.
Nem nada que tenha nome
Justo.
Nem nada que caiba nas palavras retas,
Ascetas.
Amor-seta.
Sem dó nem piedade.


quarta-feira, 2 de março de 2016

Peripatético

Penso

e chega a ser patético
    quão  patético me sinto
    ao pensar nisso que invento
    e tento
    e pinto,
    com meu olhar peripatético,
    com sabor
    dum barato vinho tinto,
    e cético
    chamo de amor.