segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Phylum e philia...


Guardador (de rebanhos) de não se sabe o quê

Não tenho ambições nem desejos
Ser professor não é uma ambição minha,
É a minha maneira de ____________.  (complete a frase)

quinta-feira, 21 de junho de 2018

j. prévert endommagé

uma cação das mais curtas
[ou il ritornello]

O pássaro que canta em minha cabeça
A repetir que te amo
A repetir que me amas
O pássaro que canta em minha cabeça
E seu infatigável refrão
E seu eterno refrão
Eu me mataria antes de matá-lo

terça-feira, 5 de junho de 2018

e eu que...


[nu de palavra]

e eu que tanto escrevi
em prosa e poesia
não pude escrever
e descrever
o que sinto e sentia
não pude fazer sentir
o amor que amo

e eu que tanto senti
em prosa e poesia
não pude
e talvez nunca possa
fazer sair isso de mim
isso que nem é interioridade
isso que
feito flecha
me atravessa
feito faca
me corta a carne
porque é amor de corpo e alma
(gêmea)
mas alma de carne e osso

e eu que sou como sou
que carrego o peso duma arte que não me basta
que é minha glória
e minha desgraça

e eu que sou assim
não pude escrever um poema sequer
capaz de fazer sentir
que amo esse amor
desmedido
e de pura grandeza
frágil
e de pura fortaleza
esse amor
desarrazoado
e arrasado pela incompreensão
que eu mesmo criei
por amar assim
um amor que vale a vida
(no instante entre o sopro
e o apagar da vela)
neste instante vale
minha vida
sem metáfora,
pois literal
sem hipérbole,
pois transbordante
sem parábola
pois amoral

e eu que só queria falar
deste amor
pô-lo em três ou quatro versos
escrevê-lo em poucas palavras
tornei-me alguém mudo
[nu de palavra]

e eu que só queria poder
dar tal poema como um singelo presente
versado
descobri-me incapaz
e mais
descobri que pessoa alguma sabia senti-lo
e que por fim
eu parecia o pior dos amantes
um pueril apaixonado a pisar em corações

doía
doía
doía
e ainda dói
saber disso doía
porque eu amava
esse amor
num grau
num jeito
numa intensidade
numa...
[nu de palavra]
eu amava
dum jeito tão...
[nu de palavra]
que nenhum outro amor não me parecia capaz
de tocar
de abalar
de atingir esse amor
que eu amava
sem fazer dele algo ainda maior
mais vivaz
florido
e festivo

e eu que só queria amar assim
e poder fazer sentir
esse amor que eu amava
chorei
por meu fracasso
por minha ruína

e eu que tanto escrevi
em prosa e poesia
já não podia falar
desse amor
que eu amava
(e que ainda amo)
doutro jeito que
um gaguejante:
je
jej
jejet
jet
jetje
jettez
je t'ai
j'ai te...
[nu de palavra]
num singelo:
[respiro]
je t'aime passionnément!

sábado, 2 de junho de 2018

Arte em...


Ruínas [2]
a h. p. z.

é claro que sempre,
onde houver vida,
haverá resistência.

mas se antes havia cem,
duzentas,
trezentas pessoas a se manifestar,
agora,
elas não somam uma dúzia.

a deterioração dos espaços artísticos,
ela é concomitante à deterioração de nossa subjetividade.

cotidianamente expostos a esses lugares em ruína,
nossa própria sensibilidade,
arruinada,
passa a subsidiar uma autocensura que,
sem pudor,
nos diz que já não há valor na arte,
que é (quase) imoral ser artista
e que nossa energia deve ser conservada para o consumo e a produção daquilo que é:
útil!

quarta-feira, 30 de maio de 2018

depois do abraço

Sorte Macron

No íntimo,
eu desejava
– como nunca deixei de te desejar –
que pudesse ser.

No íntimo,
eu ainda desejo
– como nunca deixei de te desejar –
que possa ser.

No íntimo,
segredo tudo isso.

No íntimo,
secreto tudo isso.

No íntimo,
em segredo e em silêncio,
choro.

Choro.

Talvez fosse mais fácil se,
no íntimo,
eu não desejasse
– como nunca deixei de te desejar –
que ainda pudesse ser.

E se não puder,
desejo-te paz,
ainda que isso signifique que te vás.

E se puder,
assim espero,
eu espero,
um tempo outro,
um contexto outro,
um pretexto qualquer,
um gesto Micron,
uma sorte Macron.

Eu espero.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

antes do abraço

Ruínas [1]

choro
sobre as ruínas.
há muito que as admiro
com uma admiração quase orgulhosa,
mas dessa vez,
dessa vez mais,
elas lembram-me daquilo que queria erguido,
mas não pude manter.
desabou ante o peso da realidade
que minha inabilidade não soube superar.
eis o que restou
e sobre isso minhas lágrimas são
tão verdadeiras quanto pude invetar um amor,
tão sinceras quanto pude brincar de amar.
tentei desaprender
e dançar com esse amor
mas,
outra vez mais,
vitória de minha insensibilidade
e falta de perícia.

choro
na esperança
de que essa água posso nutrir a terra
para que as eras abracem o que sobrou,
para que flores brotem ali
e façam de minhas ruínas
uma obra de arte digna de ti.

alegria

choro

a voz travou
o choro verteu
não era dor
era só uma alegria intensa e radiante diante da exuberância de uma amizade

quinta-feira, 17 de maio de 2018

grande casa

rosas & roubos

as rosas te roubam
o perfume

eu roubo as rosas
carregando na mão
um lume
de desrazão

eu roubo as rosas
que te roubam
na vã esperança
de que voltarás
mas não voltas
e não vês minhas lágrimas
roubadas de dor

não voltarás
para ver que
feito as rosas não falo
exalo
olhos entristecidos
porque não voltas
porque feito rosas
pisadas por negras botas
embotas
em uma cela
sala
cinza
sem saída

numa grande casa
a fechar a vista a chaves
a fechar a vida
e empurar todo horizonte
para a miséria de quem
é doente,
delinquente,
louco
e nada mais

és uma rosa
que roubaram de mim
do mundo
para deixar murchar
secar
morrer
à espera dum vencedor

inesquecível

teu rosto

mal consigo esquecer teu rosto
não, não é saudade
distância
ou tempo
não, não é mais uma história de amor que não deu certo

mal consigo esquecer teu rosto
por conta das pauladas,
porradas,
pedradas
tapas e socos
da vida.

perdi a conta das vezes em que na vida
os adultos
desde criança
os homens
desde mulher
os brancos
desde negro
os europeus
desde índio
os heteros
desde homo, bi, trans, travas e tantos outros sem nome ainda
gravaram a ferro e fogo
teu rosto na minha pele

perdi a conta das vezes em que o mundo
não me deixou quieto
e me emudeceu
não me deixou em silêncio
e me silenciou
só porque eu queria esquecer teu rosto
para poder te amar outra vez
ainda uma primeira vez mais.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Praça da Cidadania


ironia

não sabia que teu nome era praça da cidadania
até que o ser humano te construísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –
e que a natureza (ironicamente) te destruísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –
e o ser humano te reconstruísse
– deixando quase nenhuma árvore que existia aí –

só então descobri que tinhas este nome
porque sempre pensei que teu nome deveria ser:
praça da desertificação



Breve história

Juras

Jurara
Juraras
Juráramos
Jurei
Juraste
Juramos
Juro
Juras?
Já eramos...

CAOMA

CAØS-CALMA

caos
caos
caos
repito: caos
vida caos
caos vivo caos
dionísio
marte
ades
titãs tupã loki
filhos do caos
prontos a
(re)
introduzir o caos
caos
vida caos
caos vive caos
repito: caos
caos
caos caos
c
  a
     o s
  a
c
caos causa tanto
que tantos tentam
soterrá-lo com uma pá de cal
– mas o caos
o caos nunca morre


mas calma
caos de mais
– vida sobejante
exuberantemente trágica –
mata
então calma
devagar com a dosagem
ou talvez uma fórmula:
caos & calma







quarta-feira, 9 de maio de 2018

enclosureland // two

Terra de clausura (variação dois)


Viajo,
e o caminho,
então,
me diz
:
eis a terra de clausura

desdobradura dos passos de um pensamento atento ao movimento do solo,
sensível aos abalos sísmicos
e aos embalos rítmicos de quem habita esses países nada maravilhosos
.
Vale nota
:
Seu significado é menos o da clausura
) fechamento ou situação de encerramento (
institucional,
é menos os muros de tijolos e cimento,
do que a clausura do Fora,
do que os muros que encerram sobre si o Dentro
) homo œconomicus neoliberal e biopolítica (
ou enclausuram o Fora numa ilha
) loucura e doença mental (
.
Terra de clausura é
uma terra de niilismo que tenta,
ostensiva,
sub-repticiamente,
extensiva e intensivamente,
fechar-se às
des
/
re
dobras
e às forças do Fora
.
A terra de clausura também é conhecida por outros nomes
:
abismo;
castelo;
construção;
enclave;
grande casa;
inferno;
limbo;
utopia;
distopia;
heterotopias
.



enclosureland // one

Terra de clausura (variação um)

Bau
Distopia
Enclave
Grande casa
Gouffre
Heterotopia
Inferno
Limbo
Schloss
Terra de clausura

A clausura das terras de clausura
É bem menos visível que aquela
Das paredes das salas de aula
Das celas
Das cédulas
Das células
Dos escritórios
Dos estúdios
Dos muros das escolas
Das prisões
Dos manicômios
Dos hospitais
Dos quarteis
Das fábricas
Dos mercados
Dos supermercados
Dos shoppings
Dos condomínios
Das casas
– Ainda há casas?
Das camas
Dos leitos
Dos leites que amamentam as crianças jovens e adultos
E os doutos
E os doutores
E os autores

A clausura
Nas terras de clausura
É bem menos visível
Que estas visíveis a olho nu
É bem menos tangível
Que estas tangíveis a mãos nuas
É bem menos dizível
Que estas dizíveis a voz nua
É bem menos audível
Que estas audíveis a ouvidos nus
É bem menos sensível
Que estas sensíveis a corpo nu

             (Quase)
Invisíveis intangíveis indizíveis
Insipidas inodoras incolores
Elas têm um sabor muito mais amargo
Sabem-nos muito mais profundamente
Mastigam-nos muito mais profusamente
Elas têm um odor muito mais impregnado
E uma cor muito mais vibrante
Tanto que já não a vemos ouvimos cheiramos ou saboreamos
Essa clausura

Essa clausura
Ela já não é senão
Nossos olhos
Nossos ouvidos
Nosso nariz
Nossa pele
Nossa boca
Nossa língua
Ela já não é senão
Nosso corpo

Essa clausura
Ela já não encerra só os corpos
Anêmicos
Anômalos
Anormais
Bárbaros
Bestiais
Brutos
Coprófagos
Criminosos
Delinquentes
Dementes
Desarrazoados
Doentes
Enfermos
Esquizofrênicos
Eufóricos
Histéricos
Improdutivos
Incestuosos
Incivilizados
Incultos
Indisciplinados
Infantis
Insensatos
Irracionais
Loucos
Lunáticos
Marginais
Monstruosos
Onanistas
Paranoicos
Patetas
Patéticos
Refugos
Restos
Risíveis
Rotos
Sandeus
Senis
Tolos
Transviados
Et cetera
Et alli
Dentro de paredes brancas e buracos negros
Ela encerra o fora
O não-dito
O não-visto
O não-degustado
O não-cheirado
O não-tocado
O não-experienciado
O pas-encore-vécu

A clausura destas terras de clausura
Encerra o fora
                        (Ilha de loucura e doença mental)
Encerra do fora
                        (Enclave biopolítico e neoliberal)

A terra de clausura
Diferente das instituições de clausura
Já não encerra os corpos
Encerra a experiência
E aí
Mesmo os corpos
                 (liberais)
Livres leves e soltos
Na facilidade inenarrável de um passeio no shopping
Na felicidade inefável de um passeio no parque
Tornam-se presos de uma penitenciária a céu aberto
E aqui inverte-se a máxima platônica:
– A alma é a prisão do corpo



Soneto diante do precipício

paus copas espadas ouros

a M. L.

se já nos sabemos à beira do abismo
        (que cavamos com nossos pés)
será sempre isso

será sempre isso
diante do precipício
ainda que saibamos a direção

será sempre isso
paus e pedras
Paus Copas Espada Ouros

será sempre isso
mas sempre além da
gasta imagem
defumada com charutos e
regada a champagne

será sempre isso
borrar as pinturas
com sangue, suor e sêmen


Nós

Cardeais

Para o mapa
Norte é o sentido do desenvolvimento
E sul é para onde migram as andorinhas no inverno

Para um imã
É o sul que fica para cima
Enquanto é o norte que está abaixo da linha da pobreza

Para o universo
Nem existe tal coisa como cima e baixo
A cabeça e o pé dos mapas
São puro arbítrio político 
 vencedores sobre os vencidos
se dirá 

Mas para o universo
Também
A Terra é ínfimo grão d'areia na poeira espacial
E o ser humano algo mais desimportante ainda

Seria admirável se um dia outra forma de vida soubesse que houve Terra
Que houve um animal

Que
Inventor de verdade
Vive em tal miséria polar




sábado, 5 de maio de 2018

e agora...

o jogo perdeu a graça

o jogo perdeu a graça?
o jogo se perdeu?
o sonho acabou?
o jogo acabou?
o jogo perdeu a graça?
o jogo perdeu a graça?
game over?
outra partida?
e a graça, José?
o jogo perdeu a graça?
o jogo perdeu a graça?
e agora, Maria?
é hora de outro jogo,
porque jogar ainda tem sua graça.


terça-feira, 1 de maio de 2018

A um amigo


A esse amigo

Queria escrever a um amigo.
Um amigo com cujo encontro,
Como já disse uma vez,
Fez-me devir quem sou.
Um amigo com quem aprendi sobre os astros,
Sobre os outros,
Sobre os átrios,
Sobre os loucos poetas e poetizas mais solenes e insolentes.
Amigo com quem aprendi a recitar poemas baudelairianos de cor e,
Também,
A exercitar a empatia de coração.
Um amigo mais que amigo,
Dum amor mais que amor.
Amizade de órbita elíptica –
Ora mais próximos,
Ora mais distais,
Sempre a movermos os mares e marés um do outro.
Queria escrever a esse amigo para dizer-lhe que,
Se às vezes pareço distante,
Alheio,
Ou indiferente,
De fato,
O que se passa é uma recalibragem de meus próprios limites,
Contornos e costuras para perceber em mim a força para andar com os próprios pés,
O tato para sentir em mim o calor duma chama capaz de acender-me feito fogo de artifício e ascender-me um ponto em qu’eu possa brilhar como esta amigo um dia profetizou,
Ou melhor,
Como este amigo um dia,
Sagazmente,
Revelou-me o que via em mim,
Que eu mesmo não podia ver e agora procuro.
A esse amigo,
Sob o pretexto de uma data comemorativa,
Queria escrever um poema de amor,
De amizade,
De gratidão e de algo muito além disto tudo.
A esse amigo,
Desejo saúde e sorte –
Sorte que nos permitirá cruzar as rotas e os braços em abraços ainda uma vez mais.




terça-feira, 20 de março de 2018

Ele ainda não me quer como um raio de sol

...dez anos depois (5)

sonhos em technicolor
vida com açúcar e sem amor
paixões ressentidas e ressecadas
vontades de ser pato
heróis da negação/afirmação
sexo e sangue e tensão
ponto sem eterno retorno
toda a força racional pergunta
por que não ser pático?

(an)estesia
largo de apatia
perfume modal
asserção dual
arma descarregada
suicídio
atravesso o nada
quero meu espírito trágico livre
sem os preciosos palpites

não quero ser um raio de sol
                                    (não espere que eu chore
                                    (que eu minta
                                    (que eu sinta
                                    (que eu morra
                                    por Ti)
quero saber o que faz o sol com as flores
com as dores
e com meus ardores
pela vida





Interlúdio


...dez anos depois (4)

um tiro,
um corpo que cai,
um balde de mostarda,
um quadro:
dez anos depois,
ainda é cultura,
mas censuraram o corpo nu,
a criança
e sua arte.


Os seres e as coisas


...dez anos depois (3)

o ser-vivo continua coisificado,
a coisa continua a ser-mais-que-viva,
amamos objetos
e nos pomos a vender.

no mercado de conceito:
o eu-perfeito,
o ego-direito,
o desejo de ser sem defeito
ou com o defeito eleito;
liberdade e diversidade à venda,
(nos olhos a venda?)
fazendo-nos esquecer de nosso próprio fim.

o ser-humano, mera peça
objetos valem vidas
(especialmente se nas lojas tiverem bom preço),
nosso suor não vale mais que migalha,
nossa energia, trocada por tralhas.

ser-humano-coisa x objeto-deus
quando foi que isso se deu?
quando foi que você se vendeu?
quando a gente se rendeu?

o ser-humano nas prateleiras das agências de emprego,
filas de um abatedouro empresarial
(nada mais banal).

o ser-sem-vida, posto no altar.
idolatrar?
bora lá?
abortar singularidades
e pôr marcas e etiquetas em seu lugar?
trocar a ética ou ideais
por enlatados virtuais?





Panóptico, panfônico, pangráfico, pan..


...dez anos depois (2)

Observado em cada passo
sabem tudo que eu falo e faço.
Aquela sensação ainda no ar:
um desejo incontrolável de controlar
Sequestrado em cada momento
e vigiado, consumido – sem Fora, em um Dentro

Tenho medo do escuro,
mas quanto maior a luz,
maior a sombra...

Acabo por querer intensamente ter cada minuto de minha vida, cada centímetro de meu corpo, cada minúcia de minha subjetividade:
          controlada;
          vigiada;
          mensurada;
          esquadrinhada;
          localizada;
          identificada;
          racionalizada...

Eu sou a tele-tela que me vigia,
sou eu mesmo quem policia
(meus atos e pensamentos)
Na estrutura de cada corpo,
antes de nascer até morto,
entre a liberdade e a escravidão,
sinto um misto de segurança, resiliência e resignação....



À margem

...dez anos depois (1)

Continuo a não acreditar na ordem e progresso
     a não possuir um emprego, muito menos de sucesso
     a não ser tal vitorioso
     a não querer fazer parte desse jogo
     a não ter carro ou casa
     a não constituir família
talvez faça parte da maquinaria
mas se o sistema me engoliu:
                               - indigestão!


domingo, 18 de março de 2018

Ou...

Ou...

Quinta-feira,
no feudo,
memórias passam por mim.
Não sei, mas sinto:
ou saio
     dessa cidade
ou saio
     dessa saudade.




Máquina de tilintar

Hoje

Hoje
os copos de boteco
sobre a geladeira
emborcados em um suporte barato de metal
entraram em um agenciamento musical
com o ventilador
Num balaço muito tímido
compuseram uma máquina de tilintar
um devir de noite estrelada
em plena tarde de outono


Mon amour

Amor dionisíaco

Te amo mais
do que sou capaz
de lidar

Transborda

Sai pelos poros
e pulsa na pele

Não poder
transpirá-lo,
não poder
deixá-lo deslizar por tuas curvas
não poder
perfumar teu cabelo
me faz fou...

Fazer o quê?
paixão, páthos, paciência...


quarta-feira, 7 de março de 2018

Borboletas

Psicotécnico de poeta

Borboletas,
que habitam dos exteriores mais longínquos da Terra
ao interior mais íntimo de meu estômago,
a revirá-lo em suas mil cores

Borboletas,
tipo que erra
e no âmago
poetiza flores
e poliniza palavras e amores

Borboletas,
que levam versos
e tornados em suas asas

Borboletas,
que, no fundo,
borboleteiam o mundo.


sábado, 3 de março de 2018

ainda

cedo

ainda era cedo
ainda era cedo quando me punçou a dor

sob meus pés
esmagava a flor
triturava meu sonho tão mesquinho
reduzia a pó o que sonhei sozinho

ainda era cedo
quando notei que estava à beira do abismo
abismo que cavei com meus próprios pés

já não sabia se parava a dança
já não sabia se encarava o abismo
já não sabia se arava a terra um pouco mais
já não sabia se amparava o medo
com aquela velha canção de ninar
ainda era cedo

ainda era cedo
cedo demais para dormir
embora o sono me queria suspender o corpo


guerra do golfo

(in)digestão

apenas queria sentir algo que não a mim mesmo.
um sentir a mim mesmo como outra coisa.
aí me pergunto
ao perceber que assim me sinto
que vida levo eu.
valeria ela ser revivida infinitamente
em cada laceração
e cada sorriso
e cada abraço
perdido
em cada lágrima
de letícia
de tristura
em cada sim
em cada não
em cada grandioso festim da carne
e d'alma
e em cada esfacelamento da cara no asfalto dos planos frustrados.
não sei se ainda posso responder com a confiança
de quem já disse sim sem titubear
não sei tampouco se digo um não
e viro o leme noutra direção
ou
ainda
se apago as dois pontos da reticências do futuro
e apenas ponho um ponto
final e duro...
não
sei
bem que fazer

paradoxo amical

ontem

quando te vi
quando me viste
quando tu sorriste
quando nos abraçamos
foi como se o tempo já não importasse
e importasse muito
o tempo e a distância fundiram-se numa alegria vívida de uma saudade satisfeita
e nesse momento sublime
o tempo parecia
estranhamente
ao mesmo tempo
já não fazer diferença
pois era como se eu te houvesse visto a tão pouco tempo
anteontem talvez
falamo-nos
e olhamo-nos
e rimo-nos como fosse anteontem a última vez que nos falamos e olhamos e sorrimos
o tempo importava tanto
e importava tão pouco
um paradoxo
sim
um paradoxo
mas
eu sentia que era nada mais
nada menos
que amor
um doce amor louco
de quem se ama silente num olhar trocado
num sorriso roubado
num abraço apertado de despedida
para outro hiato de sabes lá quanto tempo
porém
ontem
isso não importava
certamente não
absolutamente
o presente
nós
presentes um ao outro
um na companhia do outro
nós
um presente cuja sensação ainda sibila sobre minha pele
ainda perfuma meus olhos
ainda cintila em meus ouvidos
nós
sussurrado encontro
que
ainda que fosse o último de uma vida
seria o primeiro duma eternidade
eternidade dum momento que valeria a uma viva ser vivida
de novo
e de novo
e de novo
e...


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Paradoxal

Esperando Godofredo
(ou Nesses Dias II)

Nesse dia,
eu sentava-me na varanda
à espera do canto colorido
dum passarinho chamado Godofredo.

Nesse dia,
sentava-me,
esperando o gorjeio
de Godofredo,
que me trazia regozijo.

Nesse dia,
a noite esfriou,
o canto não veio,
o riso não veio,
Godofredo (ainda) não veio...

Nesse dia,
a tristeza em meu sorriso
subverteu-se quando pude escutar o silêncio
e apreciar o trino vazio:
a ausência quedada entre as memórias
e a impossibilidade em repeti-las.

Nesse dia,
ali aloquei meu sorriso,
na incompletude que me abundava,
no deserto que me transbordava,
nos vacúolos que me impregnavam e repletavam e...


domingo, 18 de fevereiro de 2018

Dans ce jour

Nesses dias

Nesse dia,
o corpo era só coração e poesia,
a vagabundear cego, sem guia.

Nesse dia,
meu pensamento se perdia
em um misto de afasia,
fogo e letargia.

Nesse dia,
eu morria,
eu vivia,
sem a promessa (vazia)
d'algo que nos salvaria.


"És bem-vindo até demais"

Reler

Ao ler
quase sem querer
outra vez
chorei

Chorei-nos
numa lágrima
leve
livre
plena


domingo, 28 de janeiro de 2018

Au matin

Não dormi

      Deitei-me,
mas não dormi.
      Um mundo ainda acontecia dentro de mim.
      Não dormi porque minha pele era usina,
minha carne fervilhava qual multidão sedenta por revolução,
meu sangue era queda d'água a ribombar,
meu ar era vibrátil, rarefeito e enebriante,
meu pensamento era bloco de carnaval,
meu corpo era uma festa.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A uma não-pergunta

Esboço resposta

Milagres dionisíacos acontecem nem para o bem nem para o mal, mas para além de toda moral – e nesse átimo de embriaguez lúcida, entre despierto y durmiendo, se assim (amoral) não o for, morremos, morro eu, morres tu: dois corpos esquartejados e nus.


Tu

Apreciação

Aprecia-me do teu jeito
Do nosso jeito
Sem bula ou manual,
Mas manualmente,
Feito artesão,
Esculpindo os contornos dessa apreciação...


vão

Devaneio

Faço o que posso nesse agora que sou
Talvez pudesse ser alguém que pudesse fazer mais
Por ora não
Assim
Faço o que posso nesse agora que sou
E nesse agora sou des-sendo esse agora
E sendo outro que outras coisas pode
E outras coisas fará nisso que será


Pergunto-me

Espécime em extinção.

professor que não fuma, não toma café... nem antidepressivos. sou quase espécime em extinção – ou não sou professor?


bloco de nota

nota em bloco

e me doíam as juntas e me angustiava por trás dos olhos minha miséria e me enchia até o fundo da cabeça a ansiedade e me recobria uma tristeza a vagar sobre a pele e me ardiam os ossos e crepitavam os ouvidos cegos a língua mouca o nariz que já não podia mais deleitar-se com pessoa. e nada era extasia gozo jubilo queda e redenção morte e ressurreição salto em queda livre e mergulho num mar de regozijo cinza até qu’eu pusesse tocar um velho vinil de sérgio sampaio. ah sérigio. sacaste-me tu com teus nobres versos deste abismo de não poder amar minha dor minha miséria meu vazio meu fado de hoje. ah sérgio. devolveste-me o riso que aprendi a construir e o risco que aprendi a correr e o rico olhar para vida. ah sampaio. devolveste-me o ânimo para dançar meu fado favorito. sim sérgio. foi ela. pela janela. foi ela e ela não é pessoa. ela não é que tua música. foi ela que me invadiu o corpo. foi ela quem jogou meus versos de estimação pela janela. foi ela. foi ela. ela é a fera. ela é a bela. melancolia? palavras dizem nada. foi ela. foi ela quem me jogou pela janela. fora. fora. dei. dei o fora. o fora pela janela. 


Esboço:

História sem um fim...

Nos dias frios e sem luar, em que já não há mais flores no jardim e nem sequer jardim há, à beira-mar, sou só, quedo comigo e ninguém mais, pois já não creio em sereias. Nesses dias resta-me só minha solidão para amar – e a amo...




Refugiado

Mudei-me.

Mudei-me de bairro para não voltar a passar em frente à florista que faz habitar em mim as memórias dos perfumes das flores que ali compraste para me dar junto com teus beijos.
Mudei-me de cidade para não voltar a passar em frente à praça que faz errar sobre minha pele os arrepios dos abraços e laços e juras que ali, sobre a grama, fizemos.
Não faltariam árvores, pássaros, seixos, brisas e chuvas que nos fossem testemunhas desses desencontros, cujas lembranças ora me fazem fugir, ora me fazem, nelas, refugiar-me.

[...]

Refúgio: meu próprio coração.



naïf

semquerer

Sem querer importunar,
só passei pra registrar
que me bateu um saudade forte
tal, que s'eu pudesse, num teletransporte,
aparecia aí ao teu lado
só pra ganhar um abraço apertado.


Encontros

Há encontros que encurtam o sorriso
Há encontros que encurtam a distância
Há os que furtam a paz
Há os que roubam um beijo
           e nos permitem fugir
                        um no outro...


Lembrar

Souvenir

Nossas lembranças me presenteiam
                                     com flashes
que me esticam o horizonte do sorriso
                em overdoses homeopáticas
ao longo do dia
                   - que dia!
imprudentemente poético!


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

m...

eu

uma saudade, tu
uma cidade, tu
um lume, tu
um perfume, tu
um desejo, tu
um beijo, tu




sábado, 13 de janeiro de 2018

Coisa de pele

Segredinho

Essa escrita,
    feito transa,
    me excita
Deita fora,
    feito roupa,
    minhas palavras
E me resta,
    feito corpo,
    um sentido nu...

palavras

em grau de brinquedo

brincar feito criança
          trocar palavra de lugar
          pra não dizer nada
          pra dizer o que não se diz
                                              (o que não se deve dizer?)
          colocar o sentido de pernas pro ar
          pra sentir o que não faz sentido
          o que não foi sentido
sem ti
contigo
contido
          mudar a gente de lugar
          pra ver no que vai dar
          pra ver que não vai dar em nada
só pra nos ver
       só pra dar
            soprar
               só pra nos ver do avesso
              só pra nos ver nos versos
– e o resto?
guardo, segredado.


sob a chuva,

hoje

hoje,
sob a chuva,
te poetizei –
ou algo que me confessaste
– escrevi-te num papel:
                                       "quem está na chuva
                                          é para (se) dançar"


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Palavrar com machado

arar outra vez uma terra poética

Palavra puxa palavra,
Uma sensação traz a outra,
Um verso traz o outro,
E assim se faz um poema,
Um desgoverno
Ou um amor-sem-pendão.
Alguns dizem
Que assim é que a vida
Compõe seus fados...


Nota

em um caderno de memórias

...e te carregarei comigo,
como dor,
                 como ardor,
                                     com amor,
como modo de vida:
                                 gentileza.