quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Trio

Terno

Criança
Canção
Criação



Do you see?

untitled

Killing moon
Dead sea

[what else
could I say?]


s.m.

Alterfilismo

Na página onde todos decidiam escrever eu silenciei;
Naquele momento em que o silêncio abundou eu não me calei;
Logo ali sob o sol, quando ninguém mais se ouvia,
Tirei os fones de ouvido para escutar a música daquele dia;
Naquela hora daquele canal a que todos davam ouvido,
Protegi meus tímpanos, tentando que nada fosse absorvido.


Les couleurs pour un oeil daltonien et...

Le temps qu'on ne peut pas compter

Horas,
Ouço os minutos tiquetaquearem
Nas engrenagens e ponteiros sobre minha cabeça.
Este relógio negro na parede alva
Repete incessantemente para que eu não esqueça.

Falas,
Ouço tua voz desmantelar o tempo,
Não posso mais contar os segundos enquanto fito
Este olhar índigo que me faz lembrar
Que, por um instante (esse instante em teus olhos), eu sou infinito.




Acordei só com metade de mim,

Hoje

Depois de um copo de alvor
E dois goles de coragem,
Acordei só com metade de mim;

Depois de um instante de furor
E dois átimos de miragem,
Acordei só com metade de mim;

Depois de uma noite de ardor
E duas horas de realidade,
Acordei só com metade de mim;

Depois de uma dose de amor
E duas pedras de saudade,
Acordei só com metade de mim;

Depois de uma taça de olor
E duas batidas de gracejo,
Acordei só com metade de mim;

Depois de um sonho de alor
E dois tragos de desejo,
Acordei só com metade de mim.


sábado, 14 de janeiro de 2017

Um movimento em quatro atos, ou...

Ao alto em quatro movimentos

I – A subida

Pus-me a caminhar por uma trilha; uma trilha parcialmente já traçada pelo passado, parcialmente trilhada por mim, no próprio caminhar; porém em quase nada
marcada pelo futuro, quase sem meta.

A certas alturas, a ingremidade exigia-me o uso das mãos, era preciso escalá-la; ainda assim, segui-a.

Após não mais que meia hora de subida o alto da montanha desvelava-se – não apenas enquanto uma miragem que me impulsionaria a subir, mas como materialidade que afetava meus cinco sentidos: eu via o sol delinear formas nas rochas e cortar sombras no solo, ouvia o vento ciciar ao raspar rochas e depois tatear a pele de minha face e arrastar o cheiro da relva quente e dos arbustos ressequidos até mim e o depositar em minha língua partículas da paisagem ante mim.

II – Um olhar

No cume, escolhi a pedra mais alta, a fiz de mirante para admirar a paisagem.

Olhei o céu, mas sem a lua ele não importava, não me interessava em seu ar etéreo.

Olhei o mar, ele chamava-me; meu olhar podia cruzá-lo e chegar às terras longínquas a vários fusos horários dali, terras além-mar, no futuro, que se tornavam presentes, eu não só as vias, eu as podia apalpar; podia também atravessar o mar, sondar o fundo de seus abismos, conhecer suas riquezas íntimas, nele imergir e ouvir seus sórdidos segredos sussurrados.

III – Um mergulho

Contemplei o mar em sua plenitude, imensidão, soberania; contemplei-o num silêncio respeitoso e poderoso.

Meu corpo sentia algo atravessá-lo, era quase domado por uma pulsão – talvez não fosse todo o corpo, talvez se tratasse mais precisamente de um devaneio: mergulhar naquela colcha azul marinho; lançar-se naquele doce lençol cerúleo suavemente fremido ao toque do vento.

Não havia lógica, cálculo ou racionalidade; apenas uma pulsão de atirar-me cego, mouco e mudo ao encontro daquelas águas.

Fechei meus olhos, senti a brisa e imaginei o vento impondo resistência a minha queda e senti o suor do meu corpo ser lavado pela água e meu calor ser varrido pelas ondas nesse mergulho sandeu.

IV – Outro mergulho

Abri os olhos, quase acordando de um sono; virei-me a contemplar a densa floresta que cobria o relevo – uma espécie de oposto complementar ao mar: um verde matizado que formava um colchão macio ao olhar do qual o vento sutilmente trazia o convite a outro mergulho.

Imaginei meu corpo em queda livre submergir no folhame e desassomar entre o arvoredo e ser devorado por aquele víride pélago e ali esvanecer-me – tornando-me nada: nada do que eu era ou fora e por um átimo eterno, lapso de ser da identidade (ou o inverso), poderia ascender.

Respirei fundo aquele ar e o expirei lentamente, guardando em mim pouco mais que vagas lânguidas lembranças.