quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Alea jacta est XXXII


Meu

O único azul
de que escrevo
é o de meu peito,
os baques e atabaques
na encosta úmida de meu magro ser.

Alea jacta est XXXI


Temporal

nem meu
        teu
        eu
        tu
        quase
        todo
        nunca
        mais
        menos
        com
        sem
        minhas
        minha
        nossa
        nossos
        um
        uma
        uns
        umas
        esse
        esta
        nesta
        nesses
        porque
        já
        aqui
        toda
        palavra
        que
        assim
        se
        cruze
        é
        vazia

Alea jacta est XXX


Noite sem estrela

Não sei força que de jeito
nesse vazio em meu peito

Alea jacta est XXIX


Açucena nossa de cada dia

flor ritmada
indústria de verso
paisagem sem remédio
para o pensamento na estrada

Alea jacta est XXVIII


Último vento  

        calmo,
        quente,
        último;
sinto que minha vida range,
        morrendo,
nesse vento maldito.


Alea jacta est XXVII


Dom Quixote sem remédio

De moinho em moinho
fez-se fazedor de descaminhos
quando, démodés,
        seus porquês
tornaram-se motins
para qualquer mudança com fins
de dignificar estas sombras graves,
do tamanho dos egos, seus conclaves.

domingo, 27 de novembro de 2016

Alea jacta est XXVI


de repente, vidente, pinto assim...

Tenho máquinas gastas,
   tenho sonhos suicidas,
   sou assim:
                     planícies,
                      caminhos,
                       tormentos,
                           moinhos,
                                gozos...
Ao eterno fado de viver inquieto,
   a sorrir da pena e da paz,
   daquilo que faz
   buscar o bem.. Incompleto,
chocalhos nos pés,
   pés sem sapatos
   sigo, ao revés,
os descaminhos dos fatos:
      a  vida não está nem aí
         o caos incomoda
      a ideia é parca
  o universo não tem moda...

Alea jacta est XXV


00:49

caos incomoda


Alea jacta est XXIV


sátiro 

Encorpando usamento e harmonia
     de que se esquece para estar leve,
     comove corações em agonia,
     que sepulta com não esperança,
     anoitece suas dores e desenha nova melodia


Alea jacta est XXIII


Minha harpa

Cabeça estranha
     mãos rasteira
     sei
          ou
              vejo
                     outros contentes em uma festa suspeita
     abastados de sentimentos (de rebanho)
     mais como prêmios de uma existência que não está mais lá
     do que como janela para vastos mundos novos
Não será preciso qualquer insignificância para que
     lendo seus lábios as incertezas
     descubram-se a ruir
     feito fios de areia na alvorada da secura

sábado, 26 de novembro de 2016

Alea jacta est XXII


Olhando pelas venezianas

Escuto um bordão
     mas meu repouso
     aponta separação
     grita inerte
     descobre curvas
     anda sempre existo
pelos jogos que soluço até adormecer

Alea jacta est XXI


Hosana à terra

Estremeço sozinho ante
     as faces docemente humanas
     que escondem ambição
     por ouro e papel no sossego do mesmo.
Atravesso a cidade indiferente
     desmorando autoridades,
     como se eu guardasse dois segredos:
                    alegria,
          como asas no sapato para pensar;
                    incompletude,
          feito porta que não levasse a lugar nenhum.

Alea jacta est XX


Idiota

                            Dançando nas flores,
                               como amor de poesia,
        finjo liberdade fora das válvulas do relógio
                            e das estações do pensamento,
busco nas entrelinhas, fora do quotidiano do rebanho,
                aquilo que os pronomes não podem comprar.

Alea jacta est XIX


Vale branco de segredos 

     Minha senhora Explicação Constante,
caro pastor Fado Suspeito,

   Que prêmio adormecer na areia da esquina
à sombra de naufragar...

   Filigranas do universo que somos,
marcianos tranquilamente doidivanas,
pretendemos,
ausentes de constantes no peito,
gritar muito,
muito longe e largo,
uma canção de mudança:
   num sapato o nada
   e no outro o amanhecer...

Alea jacta est XVIII


Sinfonia de vida

Olhando as existências inertes,
   sempre pequenas,
   sinto que consomem minhas riquezas.

Escrevo, então, páginas sepultadas e submergidas
   tirando-lhes um fazer que eleva.

Preciso.

Escrevo vagamente meu avesso
   e, medo desfeito, iriso-me.

Na febre da cor,
   usando galos nas mãos,
   finjo orquestra para dançar de olhos negros.


Alea jacta est XVII


Alvorada do meu pensamento

A alvorada do meu pensamento
     é quando,
                      rasteiro,
meu coração estranha o universo e,
     de repente,
                        preciso muito amanhecer.

Alea jacta est XVI


lábios são amor

I

janela
luz
triste
comovo a todos no edifício

II

existência
estrada
alada
poema
único
vai para o...


Alea jacta est XV


Testa

Olhando este pronome,
tirando-lhe ideias,
currículos,
bordões,
e sonhos,
mudo desde sempre,
guardei liberdade vaga
com desejo constelado.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Distantes

No ponto de ônibus

Aquele casal no ponto de ônibus,
Não os invejo, ainda que estejamos separados, sós;
Antes entristeço por juntos, tão próximos,
Estarem tão longe daquilo que distantes sentimos nós.


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Viagem de...

deslocamento escalar zero

O fim parece-se tanto
com o começo...
Parecia não ter saído do lugar
nem se movido no tempo...
O que difere então?




quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Alea jacta est XIV


Nada me sei

A cabeça aspira para além de deus
e escrevo um ínfimo tratado
que estilhaça o eu,
máquina justa e indiferente;
danço o impossível,
canto por nada
e sinto a grandeza ardente da terra.


Alea jacta est XIII


Perpétuo et cetera

O sol
entretendo a noite
faz sossego nos teus sapatos




Alea jacta est XII


Zona chave

Nada me empurra a escrever
como o afrontamento entre
meus últimos valores
e os sonhos da alvorada.


terça-feira, 22 de novembro de 2016

Alea jacta est XI

Paisagista temporal

Ouço o silêncio do cigarro de manhã,
A liberdade da pedra sem a água,
O fundo cego das paisagens de criança,
A mágoa das coisas rudes da cidade,
O caminho de meu lápis nos versos vazios de um soneto,
A esperança que acerta a janela com o vento quando chove
E o andar cardíaco da vida de paixão em paixão.


semidada



vagabundo

vaga
onda
vaga
lume
vaga
ronda
vaga
nume
vaga
bunda
vaga
mundo
vaga
vaga
vaga
bundo
vaga
banda
vaga
bando
vaga
anda
anda
anda
vagabundo


Alea jacta est X

O drama desintegrou-se

beleza deserta
em minha noite discreta
hosana ausente
frio nas alturas
chuva de areia
e pão sem porque


Alea jacta est IX

euforismo

existências alegres
constantemente
matam problemas



Alea jacta est VIII

Soluço amigo

chama para dentro
febre no inferno
êxtase fatal
estranha entranha predileta


Alea jacta est VII


scientia simplex

sejam azuis
porque hoje desejo-lhes pequenos
[ todos
ninguém ]
leves e sem grandes segredos

Alea jacta est VI



verde

sereia passeando
encontra repouso
quando chove andorinha

Alea jacta est V

Poema azul

Artista aspira secura
     e não sonho,
desapetite
     e não diamantes,
crime
     e não pensamento,
autoridade
     e não repousar,
humano
     e não eterno divino.

Alea jacta est IV

Doidivanas

Essa minha quimera,
rastro da manhã,
falta de rosto,
espelho do universo,
de repente,
indecente,
fez-se chama no mar,
tirou-me os olhos num gesto lento
para escrever versos,
para inventar alvorada,
para me olhares.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

ali

respiro & júbilo

deixei faltar
         faltar palavras
senti faltar
         faltar algo como um olhar
         que dissesse todo o inefável
         que existe entre nós
então sorri
          sorri teu beijo
então sorriste
          sorriste meu desejo
e a falta foi apenas uma pausa
                             uma pausa de respiro
                                                  respiro entre um estado de viva satisfação e outro



Jubiloso

Soneto à partida

Escrevo estes versos a fim de que, se meu nome vier a se apagar de tua lembrança,
Saibas que ali, vendo a lua cruzar o céu, senti em mim uma lacuna se sobressair;
Senti que mais um passo poderia ser dado para admirar o abismo antes de nele cair;
Senti que em meu olhar alguma coisa, que batia e ardia contida em sua pujança,

Desejava fazer os corpos transbordarem uma vez mais antes de tudo se esvair
No ar feito o rastro entre as nuvens, ainda que eu soubesse que a temperança
Não fora a maior das virtudes – ou o maior do vícios – deste doce sorriso de criança
Que nos assaltava o rosto sem o menor pudor, a nos embriagar e a nos distrair.

Ser jubiloso que, do abismo de mais intenso azeviche ao céu da mais bela nuança
De cores, em um átimo fez verter em mim copiosa e dionisíaca bem-aventurança,
Agora que partiste em tuas andanças, sinto que algo pode ou poderia ser mais;

Porém em meu peito não jaz a dor da esperança de um futuro escasso de mim,
Não jaz o espírito da esposa que, aguardando o retorno do marujo, queda no cais;
Antes, está a viva satisfação do encontro dos que fazem da vida um inefável festim!



escultor, esculpo o...

Fracasso

Sigo.
O fracasso acompanha-me a cada passo.
É dele que retiro a matéria
na qual esculpo minha vida.
O fracasso me acompanha a cada passo.
Ele é a quase-certeza de onde parto
para parir minha vida.
Tudo o mais que sucede é o que logra.
Tudo o que daí acontece é o que vinga
- e o que vinga brota.

domingo, 6 de novembro de 2016

Pietà ou...

Encaro

Encaro o abismo e
ele me retorna o olhar,
sem face
- ele me habita sem piedade.

Encaro a lua e
ela desvia o olhar,
esconde-se atrás do manto da noite
- ela não me habita por piedade.

Encaro o sol, tento, e
ele queima-me a retina antes que eu veja alguma retribuição,
antes que eu vislumbre sua face
- ele não sabe da piedade.


Versos prévertianos

Xícara de Café

em um café da manhã
quase invisível
ele
impessoal
do café ao cigarro
mudo
do chapéu ao casaco
eu
silente
a chuva lá fora
corria
a lágrima em meu rosto


a J. Prévert

Café da manhã

põe o café na xícara
põe o leite na xícara de café
põe o açúcar na xícara de café ao leite
com uma pequena colher
mexe
bebe
devolve a xícara à mesa
em silêncio
ascende um cigarro
faz círculos com a fumaça
põe as cinzas no cinzeiro
em silêncio
sem me olhar
levanta-se
põe seu chapéu
sobre a cabeça
põe seu casaco de chuva
porque chove
parte sob a chuva
em silêncio
sem me olhar
e eu?
eu apoio a cabeça nas mãos
e choro



Alea jacta est III

Asas sepultadas

nem sentimentos
nem repouso
nem contradição
a vida vendo amanhecer lindas borboletas mortas

Alea jacta est II

Colóquio

A falta de palavra
   fez-se corpo!
E a água fez-se mar.
A existência?
Por ondas
   desfez o escrever.



Alea jacta est I

Soneto sedutor

Nasci distante;
   soluço de vida,
   navio errante.
Trago agonia, desejo
   e sentimento ardente de aventura.
Rumo ao horizonte que não vejo.
Deixo naufragar em meu
   pélago negro de uivos
   o torpor do eu.
Existir,
   a condição humana de ninguém.
Viver,
   deleitar meu sangue
   e no temporal sorrir.