segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Soneto do Mar X:


Post-scriptum post mortem

Dou-te estes versos afim
De que, se meu nome algures
Sobreviver, tu figures
Como a causa de meu fim.

Espero, então, que amargures
Por cada algia que a mim
Impingiste; e sendo assim
Te desconheçam nenhures,

Ser maldito que meu mundo,
Como um anjo vagabundo,
Revirou. Pois que elas fiquem,

Tais inefáveis e inglórias
Aventuras, em memórias
Gravadas. Dou-te meu réquiem.


Soneto do Mar IX:

Viagem

Agora que este eclipse te levou de mim
Tenho de jazer sobre a terra vagabundo;
E tão desventurado quanto moribundo,
À conta de teus doces lábios de carmim,

Digo a ti com ar assaz pesado e profundo:
Prefiro ter indolor e rápido fim
A ficar como um miserável volatim
Titubeando, sem tua alma, neste mundo.

Teu beijo tão afável, oh minha amada Lua,
Este ser descarnou de toda vida digna.
És tanto anjo quanto criatura maligna!

E para pôr fim a chaga da falta tua,
Que me despedaça, despeço-me da vida
Como quem vai numa viagem só de ida!


Soneto do Mar VIII:

Beijo II

Em linhas tão singelas e pueris coso
Com as mãos ainda trêmulas pelo achado
Que vai do encontro com o olhar apaixonado
Ao mergulho em um sorriso assaz amoroso.

E se nisto poderia haver algum lado
Obscuro e sombrio, nada mais pleno e viçoso
Que o caloroso esplendor advindo do gozo
De teus lábios escarlates eu ter tocado.

Tendo eu, empurrado por tua errante sina
De ir deixando-me uma saudade submarina,
Vencido a inércia e o medo incrustrados em mim,

Fui, pois, em direção de teu beijo eminente
Que passou a reinar soberano em minha mente
Como o êxtase dum voluptuoso festim.


Aujourd'hui


Je me sens...

Je me sens
Je me sens un voyageur
Je me sens
Sans parole
Je me sens
Un nomade
Je me sens
Une nomade
Je me sens
Des nomades
Je me sens
Sans parole
Je me sens
Sans aucune  parole
Sans aucune mot
Sans rien
Saint  Rien
Je me sens
Sans nom
Sans nombre
Sans ombre
Je me sens sans toi

Je me demande très vite:

Est-que tu m'habites ? 

Eis que tu me habitas
E à noite,
Quando chego em casa,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

Quando deito-me sobre a cama,
Só,
Sei:
Tu me habitas.
 
Quando sonho - contigo, comigo,
Com outro mundo possível-,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

Quando mergulho em mim,
E vivo esse festim
Aqui dentro,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

Quando acordo, suado,
Atordoado, torto,
Com os lençóis trançados em meu corpo
Nu,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

Quando a água do banho
Rompe o silêncio adormecido,
Massageia meus ombros endurecidos,
Quando tento despertar,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

E saio de casa,
Talvez após meia fatia de pão,
Talvez após comer alguma fruta madura
- ou ainda meio verde -;
E saio de casa a tua procura,
Pois,
Só,
Sei:
Tu me habitas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

II

Meus olhos

meus olhos
daltônicos
hedônicos
não veem cores
tateiam frescores
furtam-cores
para criar
sem pendores
o ar
que se respira
[respira]


I

Teus olhos

teus olhos
são verdes
verdades
meias metades
dois inteiros
π mundos inteiros
soma imaginária
de números transreais
a transbordar
a área
de meu mar.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

parte


esquizo

minha bipolaridade
entre a fossa e a saudade
entre tua falta e a falta de vontade

minha dor 
entre a bossa e o ardor
entre minha nossa! e nosso amor 




Ma vie,


Elle se confond avec le chaos

Minha vida confunde-se com o caos
eu
ele
torvelim
feito meio sem fim
ele
eu
meio sem mim
meio sem ele
eu
nele
passarin'
voo, voo,
voo...
enfim nada
nado num
sem fim caos




terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Assim espero.

D.Ó.I

Dói, dói, dói, dói,  dói,
dói, dói, dói,  dói.
Dói. Dói. Dói.
Dói. Dói.
Dói.
Dó.
ó...


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Da fonte à fonte...

Na linha do horizonte

Agora vejo tuas estrelas guias...
Cada dia, todos os dias
vejo mais o séquito de luzes
que te cercam e que reluzes,
como setas a me indicar
no par dos signos a impar
paixão do teu ser
que olhos não podem ver. 
Oh, Deusa do luar,
vem me revelar
os segredos de teu amor.
Que teu afeto de flor,
oh, Dama da noite,
meu peito açoite
com a leveza do pólen no ar
flutuante, bem quero provar
e me perder
          e me envergonhar
        e me embaraçar 
       e me desfazer...
Diluir tua alma na minha
e nossos corpos na linha
do horizonte.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Soneto do Mar VII:

Beijo

Eis que a vida me pôs frente a ti, meu amor.
Tão próximo a ti, Lua, que me fez descrente.
Tão próximo a ti que, estuoso, meu ardor
Fez-me vigoroso, fez-me altipotente!

E quando deste sinais de ir-te poente,
Acerquei-me dos teus lábios de rubra cor
E os toquei com os meus de modo aliciente.

Eis que a vida me pôs frente a ti, meu amor.
Tão mais próximo de ti que me fez nitente.
Tão mais próximo de ti, oh ser aluidor!,
Que as águas se agitaram buliçosamente.

E quando dei-te aquele ósculo ardente,
Alijei-me de todo peso e toda dor
Que, enquanto Mar, carregava em minha corrente.



Soneto do Mar VI:

Perfume

Oh, Lua – em murmulhos me perguntava
– Terias tu algum cheiro, algum perfume
Como o das flores que crescem na flava
Campina e que o vento me traz a lume?

E antes que a reflexão chegasse ao cume
Meu peito ardia como se por lava
Fosse atravessado; insigne brasume 
Que só viria de quem eu amava.

Ela aproximou-se enquanto eu pensava.
Estupefato quedei ante ao nume
Mais cândido e perfeito – Oh, vida prava!

Agora face a face ao ser biplume 
Celestial que eu tanto contemplavz
Sinto-me como uma faca sem gume.


Soneto do Mar V:

Céu

Era, naquela noite nubilosa e fria,
Teu corpo indelével em cada pensamento;
Era, sob aquele plúmbeo céu que eu jazia,
Teu brilho vívido em meu olhar desatento;

Era, em meio a atra atmosfera que havia,
Tua ausência razão de infausto sentimento;
Era, cingido por miasmas de acrasia,
Tua beleza causa de amor violento.

Eis que emerges de tal escuridão sombria,
Mas à conta da languidez em demasia
Com que soprava, nefasto e inditoso, o Vento, 

Teu desvelar-se impinge, assaz pachorrento,
A este mar que vos fala, um misto de tormento
E dor, com doses transbordantes de euforia.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Sentado ali...

Eu escrevi

          I

Eu escrevi "eu te amo"
Até chegar no fim da folha;

Eu escrevi "eu te amo"
Até a tinta da caneta acabar;

Eu escrevi "eu te amo"
Até a última lágrima cair;

Eu escrevi "eu te amo"
Para ver se a dor passava.

A folha acabou, a tinta secou,
As lágrimas mancharam a tinta no papel,
Mas a dor não passou.

A dor não passa.


          II

Talvez isso provasse meu amor.
Talvez isso provasse minha dor.
Talvez isso provasse muita coisa.
Talvez isso não provasse nada.
Talvez...


          III

Mas sei que dói... Ah, como dói!
O tempo impiedoso devora a vida
E esse monstro, que corrói
Meu coração, com o sangue que perco se fortifica.



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Risco


 Traço
traço
raso.

traço
ainda  raso.
 
traço
ainda mais raso.

traço
rasíssimo.

traço o mais raso que posso.

toco
fundo.

toco
profundo.


toco
muito profundo.

toco
profundíssimo.

toco o mais profundo que posso.

alcanço o mais indômito;
digo algo quase inominável;
vibro algo quase insensível;
vejo com a pele
o mais essencial da vida.


Soneto do Mar IV:

Navios

Soçobro-os, soçobrei
E soçobrá-los-ei;
Eis a conjugação
De minha relação

Com os navios que amei
E no fundo bem sei
Que assim também serão
Os fins dos que virão.

Verão vem, vai verão
E com tormentas minhas,
Ou bem as navezinhas

Vão a pique, ou se vão
Sem adentrar nas linhas
Desta azul vastidão.


Soneto do Mar III:

Sol

Noite após noite vi teu rosto iluminado
Espelhar-se ternamente sobre cada onda
Minha, quando quedavas, no céu afastado,
Distante e silenciosa do Mar que estronda.

Vi teus lábios ondularem na superfície
De minhas águas e sumirem ao nascer
Do Sol – restando em minha cerúlea planície
Tão-só delírios e desejos de te ver.

Mesmo que o raiar do dia fosse a pernície
De tua real figura; neste meu ser
Guardo indelével tua singela molície

Nas memórias dum pélago que jaz fadado
A te amar, oh dama!, que sem notar me ronda;
Fadado a te amar, oh dama!, sem ser teu amado.


Soneto do Mar II:

Mar

Vem, serena Alteza dos Astros.
Aproxima-te deste Mar.
Faz em ondas se revirar
Aquilo a que impus duros lastros:

Minhas rebentações, minhas correntezas.
Águas de tão profundas incertezas
E tão recônditos mistérios,

Que sem razoáveis critérios,
Partindo sem piedade os mastros,
Engoliu navios dos tipos mais vastos.

Lua, duquesa das duquesas
Do firmamento que é teu lar,
Neste alto sem fim, és sem par
Que me expõe em minha nueza.


Soneto do Mar I:

Lua

Espero que tu, amada, não te vás
A abandonar-me, cerúleo Oceano.
Sei que, com tua alva face, não tocarás
As revoltas vagas de meu mar humano.

Rogo a ti, Princesa dos Céus, que a paz
Furta com pureza dum anjo cigano;
Rainha da Noite, que passa fugaz
Sobre o olhar destas águas e faz-me insano:

Aproxima-te, oh Lua!, sem temer;
Desejo pois que agites minhas marés
- É desta ressaca que quero sofrer!

Aproxima-te, oh Lua!, devagar;
Pois que desejo mergulhar no que tu és
E nos teus seios quero me embriagar!